Há um senso comum de que os problemas ambientais atingem a todos de forma igual. Ou seja, que questões como aquecimento global, para citar um exemplo, irão impactar toda a humanidade na mesma intensidade. Isso não é verdade. A degradação tem um alvo preferencial, e esse alvo são as populações empobrecidas, que no Brasil são majoritariamente formadas por pessoas negras.
Hoje, mais de 102 milhões de brasileiros vivem diariamente com algum tipo de privação de saneamento no Brasil. Isso significa que uma a cada duas pessoas não tem acesso a serviços considerados básicos, como abastecimento de água, coleta de esgoto ou, simplesmente, um banheiro. Os dados são do Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE. Dessas, 66% são negras.
Outros exemplos que observamos diariamente nas cidades brasileiras é o despejo de resíduos nocivos à saúde em regiões de vulnerabilidade social, quase sempre periféricas, a grilagem e a exploração de terras pertencentes a povos locais.
Um caso emblemático de racismo ambiental que ganhou repercussão no último ano foi a tragédia que atingiu regiões da cidade de São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, em 19 fevereiro.
A chuva concentrada em volume por um curto período desbarrancou áreas de encosta, destruiu estradas, casas e provocou enchentes. No entanto, apenas as famílias que viviam em áreas de risco, onde os terrenos são alagadiços e sujeitos à inundação, perderam parentes, amigos e suas casas. Essas famílias são aquelas que não têm condições financeiras de comprar um terreno longe das encostas e em locais seguros.
A secretária de Combate ao Racismo da CUT, Maria Julia Reis Nogueira, chama atenção para a dívida histórica que o Estado brasileiro tem com a população negra. Segundo a secretaria, é disso que resulta a “abissal desigualdade que as pessoas negras estão nos dias atuais.”
“Em moradias insalubres, nas periferias sem serviços básicos de saneamento, com dificuldades de acesso a escolas de qualidade, com escassez de serviços públicos de saúde e ocupando cargos precários no mundo do trabalho. Com toda essa situação temos um desafio enorme que é combater o racismo em suas diferentes formas”, afirma Maria Julia.
A água é nossa!
Dentro deste tema, a secretária-adjunta de Combate ao Racismo da CUT, Nadilene Nascimento Sales, que integra o Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado da Bahia (Sindae), afirma que é imprescindível que os trabalhadores e trabalhadoras discutam o acesso à água.
“O Brasil possui dois dos maiores aquíferos do mundo, o Guarani e o Alter do Chão. Isso chama a atenção do capital internacional. O acesso à água é uma questão de soberania nacional, a agrava a nossas desigualdades raciais e sociais. Esse é um dos exemplos. O racismo ambiental é amplo e repercute em várias áreas da vida da população”, afirma Nadilene.
Origem do termo
O professor de Gestão Ambiental da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, Marcos Bernardino de Carvalho explicou em entrevista ao Jornal da USP, que a história do termo está intrinsecamente ligada ao movimento dos direitos civis americanos, que ocorreram entre as décadas de 1950 e 1960.
Ela é atribuída ao ativista afro-americano Benjamin Franklin Chavis Jr, que chegou a atuar como secretário de Martin Luther King Jr., um dos líderes do movimento dos direitos civis. Benjamin se destacou por fazer denúncia sobre a questão de que a população mais vulnerabilizada, especificamente a população negra, a que era a mais vitimada pela degradação ambiental. Racismo ambiental é um termo, portanto, que denuncia a violação de um direito.
Em países como o Brasil, não se trata de uma coincidência que as populações negras, por exemplo, sejam as mais afetadas pelos danos ambientais. Ainda segundo o professor da USP, “Devido ao seu passado colonial, com estruturas sociais baseadas na escravização de pessoas negras, estas passaram a ser invisibilizadas, o processo de alforria foi realizado sem nenhum tipo de reparação dos danos causados pela escravidão ou integração dos libertos.”
Por isso, os bolsões de gente vulnerabilizada, que acaba sendo vitimada por esse processo de degradação, é composto por pessoas não apenas vulnerabilizadas e empobrecidas, mas as pessoas negras.
O crescimento de comunidades periféricas ou que moram em zonas de risco e insalubres tornou esse tipo de discriminação mais evidente nos últimos tempos.
A falta de políticas de equidade e de reparação à população negra, assim como o desprezo pelas questões ambientais, leva a um ciclo que retroalimenta a desigualdade. A falta de saneamento básico, por exemplo, aprofunda o abismo social entre brancos e negros, ricos e pobres.
Fonte: CUT Nacional
Foto: ROVENA ROSA/ AGÊNCIA BRASIL