O presidente Lula (PT) acertou em cheio ao classificar a privatização da Eletrobras, como bandidagem’ e dizer que pretende rever o processo de venda, comandado pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) em 2022, afirma o engenheiro da estatal e diretor do Coletivo Nacional de Eletricitários, Íkaro Chaves.
Segundo ele, a fala de Lula nesta terça-feira (7), durante entrevista a veículos da imprensa progressista, reflete o inconformismo da categoria com o formato de privatização e indica que além da revisão e eventual anulação das cláusulas, a empresa poderá voltar ao controle da União.
Isso porque, na entrevista, Lula afirmou também que pretender rever cláusulas contratuais que deixam o governo de mãos atadas em uma hipótese de reestatização da empresa.
Uma delas se refere a proibição de que qualquer acionista da Eletrobras tenha poder de voto maior do 10%. Ou seja, no conselho de acionistas da Eletrobras, o peso do voto não pode ultrapassar esse patamar, independentemente da participação acionária. A União hoje tem 43% das ações, mas o poder de voto se limita aos 10%.
A outra cláusula é a chamada pílula do veneno. Por este dispositivo, se qualquer acionista, em especial a União, quiser retomar o controle da empresa, terá de pagar os demais acionistas três vezes o valor das ações com base no preço do dia de pregão mais alto da bolsa de valores.
O indicativo de Lula de desmontar essa ‘bandidagem’, conforme citou na entrevista, é uma notícia que, no mínimo, aponta para um futuro de proteção contra o saqueamento e destruição do patrimônio público e dos serviços essenciais quem vinham sendo promovidos pelos governos anteriores, do ilegítimo Michel Temer (MDB-SP) e, em especial, de Bolsonaro.
É também um horizonte promissor para a categoria dos eletricitários e para os diversos movimentos que se mobilizaram contra a privatização da Eletrobras, denunciando os prejuízos que a venda causaria à sociedade, entre eles uma explosão de preços ao consumidor.
Como foi a ’bandidagem’?
O processo de venda da Eletrobras foi feito de forma que nenhuma ação da empresa fosse vendida. O que houve foi uma capitalização feita por um grupo de acionistas que desde o governo Temer já ‘tramava’ tomar o controle da empresa. Trata-se do grupo 3G, o mesmo envolvido no escândalo do rombo bilionário das Lojas Americanas.
“Com essa jogada, a União passou a não ser majoritária no controle e a moeda de troca para a injeção dos recursos pelo grupo foi vender energia mais cara”, sintetiza o Íkaro Chaves.
“A Eletrobras tem usinas hidrelétricas antigas que vendem energia barata e o contrato de concessão deu o direito de a empresa vender essa energia como se fosse nova e mais cara, com impacto aos consumidores”, explica o engenheiro sobre um dos pontos criticados por Lula.
E este é o fundamento básico para a intenção de o grupo ter o controle sobre o setor. Para isso, na trama desde o governo Temer, o grupo 3G já vinha indicando os diretores e conselheiros da estatal, o que é “um absurdo”, segundo Ikaro, já que a empresa ainda era estatal.
O engenheiro reforça o apoio ao termo bandidagem explicando que ‘hoje, se o governo quiser retomar o controle da Eletrobras, um bem público, terá de pagar algo como um resgaste de um sequestro”.
Ikaro, que participou da transição de governo nos temas relativos ao setor energético, reforça que é um absurdo tal quadro porque “não se pode limitar a atuação da União dessa forma”.
Para ele, da mesma forma que a União decidiu por privatizar a empresa, agora pode decidir reestatizar porque é um serviço público. Não é uma fábrica de picolé, é uma empresa que presta serviços públicos essenciais à sociedade, e isso [ter o controle] está regulamentado na constituição”, diz o engenheiro.
E Lula, ele pontua, “deixou claro que o objetivo é desfazer essa sacanagem contra a União e eventualmente, se as condições forem favoráveis – se houver a necessidade – reestatizar”.
“Faltam só 7% das ações. Seria rápido, fácil e barato”, ele conclui.
Reversão do golpe contra a Eletrobras
Na entrevista, Lula disse não ter intenção de “juntar dinheiro para comprar de volta”, porque a prioridade agora é o combate à fome, no entanto sinalizou que isso pode acontecer se a economia voltar a crescer.
Na avaliação de Ikaro Chaves, há meios e recursos para que a empresa seja reestatizada. Em um primeiro momento, ele explica, poderia ser feita uma assembleia entre os acionistas propondo a alteração do estatuto da empresa, eliminando essas cláusulas e abrindo caminho para a retomada do controle da empresa pela União.
“Se os acionistas não quiserem, a União pode retomar o controle. Pela legislação os potenciais hidráulicos são bens públicos e o serviço de energia é de competência da União, que pode ser prestado de forma direta ou por concessão. Restituir o valor poderia ser feito em até 30 anos e isso previsto na Lei das Concessões”, diz o engenheiro explicando que para isso, bastaria o envio de uma Medida Provisória ao Congresso.
Outro caminho seria judicializar a questão já que todo o processo foi feito de forma ilegal. Não só as cláusulas seriam questionadas, mas também tudo o que envolveu a privatização, a começar pelo valor recebido pelo governo, de R$ 26 bilhões, quando o valor estimado da estatal e de mais de R$ 400 bilhões.
Retomada
Para uma eventual reestatização, os recursos já existem, de acordo com Ikaro Chaves. “Se o presidente quiser estornar os R$ 26 bilhões e retomar o controle, tem verba para isso – da Reserva Global de Reversão. Não é um bicho de sete cabeças”, ele diz.
Outra alternativa seria via Petrobras, tornando a estatal do petróleo sócia da Eletrobras, o que segundo o especialista seria bom porque teria participação relevante da Petrobras nas energias renováveis que são foco das empresas.
No entanto, o caminho a ser trilhado, segundo avaliação de Chaves com base na fala de Lula, segue alguns passos. A Eletrobras é uma empresa que presta serviço público e a União ter que ter o controle, ele diz. E explica qual a estratégia.
“É preciso cancelar imediatamente essas cláusulas para conseguir ter influência na direção da empresa. Hoje a União não indica ninguém, não ‘manda’ nada. É preciso ter conselheiros e diretores para poder parar o desmonte, retirar os aventureiros que estão controlando a empresa e a partir disso avaliar a reestatização comprando o restante das ações”.
“O custo da reestatização, conseguindo eliminar as cláusulas, é muito baixo para o prejuízo que teremos, se não fizermos nada’, finaliza Ikaro Chaves.
Fonte: CUT Nacional
Foto: MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL