Em muitas frentes, trabalho do Iphan é fundamental para preservar o Patrimônio material e imaterial de cidades devastadas
Diante de uma catástrofe climática como essa que assola o Rio Grande do Sul, a atuação dos servidores públicos se faz ainda mais necessária e importante para a sociedade. Desde os primeiros dias de maio quando as chuvas alcançaram patamares extremos e as enchentes e inundações invadiram cidades inteiras, que os órgãos e empresas públicas agem incansavelmente para minimizar os danos e sofrimentos das pessoas atingidas. Há também diversas iniciativas e campanha de solidariedade para auxiliar os próprios colegas, servidores públicos que foram atingidos pelas enchentes.
Com objetivo de trazer à luz o trabalho realizado neste momento, o Sindicato dos Servidores e Empregados Púbicos Federais do RS (Sindiserf/RS) inicia uma série de reportagens sobre a força tarefa dos órgãos e empresas públicas. Muitas vezes questionado, nestes momentos de tragédia fica ainda mais evidente o papel do estado e das políticas públicas. Sem isso, o cenário seria ainda mais aterrorizante e o fato de faltaram servidores públicos ou condições materiais de atender lá na ponta quem mais precisa, como executores da política de estado, é fruto do sucateamento do Serviço Público, promovido por governo golpistas, negacionistas e entreguistas dos últimos anos.
Em mais uma reportagem da série, o Sindicato destaca as ações realizadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O órgão responde pela preservação do Patrimônio Cultural Brasileiro, material e imaterial, através desse trabalho que muito da memória de uma sociedade é guardado e transmitido. Com a enchente testemunhamos que a necessidade, por vezes inconsciente, de materializar a história individual ou coletiva, é fundamental no sentimento de pertencimento, seja de um indivíduo ou uma comunidade.
Mudança de prioridade
Se o primeiro trimestre de 2024 foi marcado por um trabalho inédito e intenso no Instituto, por conta da adesão ao Programa de Gestão e Desempenho (PGD) – teletrabalho – o que exigiu o desenvolvimento acelerado de competências individuais e coletivas, os primeiros dias de maio mudaram a prioridade de tudo. E o PGD deu lugar a outras frentes de trabalho. As enchentes que assolaram o estado determinaram uma mudança de rota impensada por muitos.
Os esforços imediatos dos servidores do Iphan foram direcionados para a proteção, o socorro, o acolhimento, com colegas socorristas e colegas atingidos. Tudo ao mesmo tempo. Viveram junto da força inabalável das águas e canalizaram atenção ao cuidado básico. Em maio, as entregas do Instituto foram roupas, colchões, água potável, alimento, abraço e abrigo. Como muito gaúchos, esses servidores estavam perplexos, abalados, atingidos, isolados e inevitavelmente passaram a conduzir o trabalho de muitos modos, em diversas frentes, alternando emoções e preocupações.
Muitas ações se direcionam sobre o entendimento do mapa da tragédia e nas repercussões na conservação do Patrimônio. Por conta disso, o PGD teve seu primeiro ciclo de avaliação suspenso no RS e as primeiras ações do órgão foram direcionadas a mapear os possíveis danos aos bens culturais, visando compreender o impacto da tragédia ao patrimônio cultural acautelado pelo Iphan.
Referente ao Patrimônio Material edificado, a servidora do Iphan, Grasiela Tebaldi Toledo contou que foram contabilizados os municípios afetados, nos quais há bens tombados ou valorados em nível federal. “Na sequência, a Superintendência do Iphan no RS, representando o Ministério da Cultura (MinC) articulou o Grupo de Trabalho Recupera Patrimônio Material RS, com o objetivo de articular ações de levantamento de danos e proposições de medidas de contenção e/ou reparação dos danos causados pela catástrofe”, lembra.
O GT elaborou o “formulário para levantamento de danos causados pelas enchentes ao Patrimônio Material do RS”, um documento endereçado aos responsáveis por bens tombados ou acautelados nas três esferas: Municipal, Estadual e Federal. Como resultado, divulgou Grasiela, verificou-se que os municípios nos quais os bens materiais edificados acautelados em nível federal foram mais afetados são Porto Alegre e Santa Tereza que, inclusive, já havia sofrido com inundações severas nos meses de setembro e novembro de 2023. Destacam-se ainda os danos severos sofridos em equipamentos culturais localizados nos municípios de São Leopoldo, Igrejinha e Muçum.
“Em relação aos bens arqueológicos, foi criada uma Rede de Colaboração para salvaguarda do patrimônio arqueológico atingido pela calamidade socioambiental no estado. Na primeira, foram estabelecidos três eixos de atuação: Acervos Arqueológicos atingidos pelas cheias, Mapeamento de impactos aos Sítios Arqueológicos e proteção aos bens arqueológicos nas obras emergenciais de reconstrução do estado.”
Diversas frentes de trabalho e atuação
Três instituições foram afetadas pelas cheias e possuem acervo arqueológico. Por isso, estão sendo acompanhadas pelo Iphan, em processos de vistorias, reuniões e proposições para resgate e ações de conservação dos acervos. O mapeamento dos sítios arqueológicos foi capitaneado pelo Centro Nacional de Arqueologia (CNA), que elaborou mapas a partir de levantamento de sítios afetados pela mancha de inundação e áreas de movimentos de massa. “Também foi aprovado um projeto de pesquisa acadêmica da UNIVATES, para revisitar os sítios arqueológicos no Vale do Taquari que podem ter sido afetados e diagnosticar seu estado de conservação, além de fazer escavações em pelo menos dois locais que ficaram com seus materiais expostos por conta da enxurrada,” disse ela.
No tocante as obras emergenciais de reconstrução do estado, o órgão se reuniu com a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (FEPAM) e alinhou procedimentos relativos ao Licenciamento Ambiental, reforçando a possibilidade de análises prioritárias desses processos, compatibilizando as anuências do Instituto com as normativas que simplificam o licenciamento ambiental em virtude da calamidade.
Na área de patrimônio imaterial, os servidores articularam reunião interinstitucional com Ministério dos Direitos Humanos, Ministério da Cultura e Ministério dos Povos Indígenas para avaliar os impactos da catástrofe. Desde o início, o Iphan ofereceu dados sobre comunidades e grupos sociais que participaram de mapeamentos e inventários sobre as suas referências culturais, de modo a subsidiar eventuais projetos e ações de salvaguarda do patrimônio. No RS, há ocorrência de sete bens culturais de importância nacional, são eles: Roda de Capoeira – Livro das Formas de Expressão (também é Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade/Unesco); Ofício dos Mestres de Capoeira – Livro dos Saberes; Tava, Lugar de Referência do Povo Guarani – Livro dos Lugares (também é Patrimônio Cultural do Mercosul); Tradições Doceiras da Região de Pelotas e Antiga Pelotas (Arroio do Padre, Capão do Leão, Morro Redondo, Turuçu) – Livro dos Saberes; Ofício das Baianas de Acarajé – Livro dos Saberes; Choro – Livro das Formas de Expressão e Ofício das parteiras – Livro dos Saberes.
Rede de solidariedade
Nesta rede de solidariedade, Porto Alegre passou a ser um exemplo macro da situação passada por cada um. Muitas unidades de saúde viram seus estoques de medicamentos minguarem e o Iphan destinou o carro oficial e o motorista para auxiliar no suprimento dos estoques destas unidades e diversos abrigos, o que trouxe a dimensão e o olhar de desalento que justificava o silêncio dos atingidos, pois mesmo em boas condições, com camas e colchões novos, com apoio psicológico, o abalo emocional era claro.
Todas essas frentes de atuação demonstram, ao mesmo tempo, a importância dos servidores do Iphan e sua escassez. Com o quadro reduzido de servidores alocados no RS, cuja carga de trabalho já se apresentava muito além da força laboral antes da catástrofe e, para que seja possível enfrentar as consequências do ocorrido, com a produção de levantamentos, diagnósticos e proposição de soluções técnicas para a recuperação dos bens atingidos, faz-se necessário, de forma urgente, o incremento do quadro de pessoal da unidade, bem como a melhoria das suas condições de trabalho.
Fonte: Sindiserf/RS
Foto 1: Henrique Lessa (CB/DA Press)
Foto 2, 3 e 4: Acervo Iphan
Foto 5: Henrique Lessa (CB/DA Press)