“Não podemos mais ficar falando dos nossos problemas só para nós mesmas. Precisamos ampliar o debate. Todos os companheiros devem se juntar na luta pela igualdade entre mulheres e homens. No mundo do trabalho e em todos os espaços da sociedade.” A fala é da sindicalista Amanda Corsino, eleita no 14º Concut para liderar a Secretaria da Mulher Trabalhadora da CUT.
Amanda começou a se organizar politicamente em 2001, quando se elegeu para a direção do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras dos Correios do Distrito Federal. Hoje ela é presidenta do Sintect do DF.
Foi na FENTECT (Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras dos Correios) onde Amanda encarou a primeira gestão de uma secretaria que cuidasse especialmente das pautas das mulheres.
“Nunca aceitei submissão, desigualdade entre mulheres e homens. Era feminista desde menina e não sabia. Foi na militância sindical que a ideia de feminismo começou a ganhar corpo para mim. Eu já contestava, mas foi na organização do mundo do trabalho que passei a ter visão crítica”, conta.
Eleita para um mandato de quatro anos, Amanda explica as discussões que a Secretaria da Mulher Trabalhadora está elaborando em conjunto com os coletivos de mulheres da CUT e com outras organizações, incluindo o governo federal
A dirigente convoca em sua fala os trabalhadores e trabalhadoras não só para o ato do 8 de março, Dia Internacional da Mulher, mas também para as atividades que serão desenvolvidas ao longo do mês e que tratam com mais profundidade das questões abordadas nesta entrevista.
Quais são as prioridades da CUT neste momento para a mulher trabalhadora?
Amanda Corsino – Nossa palavra de ordem é igualdade. Primeiro no que diz respeito aos salários, a remuneração. Temos uma lei recente proposta pelo governo federal através tanto do Ministério do Trabalho e Emprego quanto do Ministério da Mulher que pressiona as empresas a cumprirem algo que já está na CLT. Mulheres e homens em uma mesma função devem receber o mesmo. Nosso papel é cobrar o cumprimento da lei nas nossas bases, e ajudar a criar mecanismos de fiscalização.
Na sua avaliação, qual é o engajamento dos sindicatos hoje nesta pauta?
Amanda Corsino – Precisa avançar. Primeiro é necessário que mais mulheres ocupem espaços de poder e decisão, pois somos nós que sentimos na pele essa desigualdade, precisamos de mais mulheres nos comandos de negociações com as empresas para que tenhamos nos acordos coletivos e convenções, cláusulas que proporcionem a igualdade em todos os aspectos do mundo do trabalho. Os nossos companheiros precisam entender que esse debate não pode ficar resumido apenas à Secretaria de Mulheres.
A igualdade no mundo trabalho tem que ser defendida por todo o conjunto dos dirigentes, abraçadas por todas as secretarias em todos os sindicatos. Igualdade é a nossa palavra de ordem, e ela precisa antes de mais nada ser discutida internamente no meio sindical. Igualdade não é composição. Não é a paridade de números. Igualdade é a divisão de poder. Para avançar nas lutas no seio do movimento sindical as mulheres precisam ocupar os cargos de poder e decisão.
Existe hoje no Brasil uma crise dos cuidados, e a chamada Economia dos Cuidados está ganhando força com o mote “Não é amor, é trabalho não remunerado”. Como envolver a sociedade nesse tema, ainda novo para nós brasileiros?
Amanda Corsino – Entendo que existem duas frentes importantes dentro desse debate. A primeira é reconhecer que o trabalho de produção, de sustentação da vida, como cuidar das crianças, dos mais velhos em casa, das pessoas com necessidades especiais, de toda a família, é feito majoritariamente pelas mulheres.
Se não há divisão por igual entre homens e mulheres desses cuidados, nós ficamos sobrecarregadas, nosso tempo é exprimido, e isso impacta negativamente na nossa vida de muitas maneiras. A responsabilidade do cuidar atrasa a entrada das mulheres no mercado de trabalho, e atrapalha a sua permanência.
Há uma deficiência ainda grande de equipamentos do Estado, de políticas públicas, que ampare as mulheres, e impacta outros extratos sociais, como as meninas. As meninas estão assumindo essa tarefa dentro de casa cada vez mais cedo, o que atrapalha a entrada delas no mercado de trabalho e afeta a continuidade dela nos estudos. Isso vai ter um reflexo em toda a vida dessa menina. Isso é trabalho de cuidados não remunerado. É a frase: não é amor, é trabalho não remunerado.
O segundo aspecto é sobre o trabalho remunerado. Existem pessoas que realizam esse trabalho de forma profissional. O que não significa dizer que é um trabalho digno. Essa é uma função historicamente assumida por mulheres, mulheres negras, mulheres migrantes, e muito precarizada.
Para essas duas frentes estamos lutando por mais visibilidade do tema, para que a sociedade saiba que o cuidado é responsabilidade de todos: do Estado, das empresas, da comunidade e da família.
Essa discussão está se qualificando e se amplificando pela Política Nacional dos Cuidados, que o governo federal está se debruçando com mais empenho e a CUT está acompanhando de perto.
Precisamos de escolas em tempo integral, lavanderias e cozinhas comunitárias, creches e centros de acolhimento noturno para os filhos e filhas das pessoas que trabalham à noite. Nós queremos a Economia dos Cuidados dentro do PIB (Produto Interno Bruto).
E como fazer esse diálogo com as empresas?
Amanda Corsino – O nosso desafio é a ratificação da convenção 156 da OIT, intitulada “Igualdade de Oportunidades e de Tratamento para Homens e Mulheres”. A convenção tem o propósito de combater a discriminação no ambiente de trabalho relacionada às responsabilidades familiares.
A principal meta da convenção é erradicar a exclusão de trabalhadores que enfrentam conflitos entre suas responsabilidades familiares e suas carreiras, de modo que as demandas da família não sejam um obstáculo para o pleno emprego e o desenvolvimento profissional.
As mulheres estão sobrecarregadas. As empresas não podem virar os olhos para isso, porque isso afeta as nossas carreiras, a nossa capacidade de fazer qualificação profissional, por exemplo.
É preciso responsabilidade do setor patronal também. O que as empresas estão dispostas a fazer para reduzir essa sobrecarga que afeta principalmente mulheres? Essa pergunta também precisa ser feita.
Nos espaços internacionais, onde a mulher trabalhadora é pauta comum de diversos países, e em especial na América Latina, quais são os temas que estão recebendo mais atenção neste momento?
Amanda Corsino – Percebo que a defesa da democracia é uma questão que converge. O crescimento da extrema-direita em todo o mundo afeta diretamente as mulheres. Os direitos das mulheres são os primeiros a serem atacados por esses governos. Não há democracia sem um movimento de mulheres fortes, atuante. Esse é o principal.
O assédio moral e sexual é uma pauta permanente e sempre de destaque. A convenção 190, também da OIT, é o primeiro tratado internacional a reconhecer o direito de todas as pessoas a um mundo de trabalho livre de violência e assédio.
É ela que aponta o papel dos empregadores na prevenção e eliminação desses problemas e estabelece medidas práticas para lidar com casos de violação. Há uma luta de mulheres de todos os cantos para fazer a convenção valer.
Fonte: CUT Nacional
Foto: ROBERTO PARIZOTTI