Após quase um mês de silêncio, nesta semana alguns dos jornais que desde o início defenderam a reforma da Previdência de 2019, aprovada por Jair Bolsonaro (PL), publicaram, quase ao mesmo tempo, textos que buscam pressionar o Supremo Tribunal Federal (STF) para que, nas palavras da Folha de S. Paulo, “preserve a reforma”. A Folha e o Valor Econômico criticaram as ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) que questionam diversos itens da reforma e que podem resultar até mesmo na devolução de valores a servidores e servidoras da ativa e aposentados.
No dia 19 de junho, o Supremo formou maioria para derrubar alguns dos itens da reforma questionados por 13 ADIs que estão sendo julgadas em conjunto. O julgamento, porém, foi suspenso por pedido de vista do ministro Gilmar Mendes – quando faltava apenas o voto dele para ser apresentado –, o que faz com que todos os votos ainda possam ser modificados. Mesmo assim, até o momento, estão sendo derrubadas, entre outras questões, as possibilidades de cobrança de contribuição extraordinária e de que as alíquotas para aposentados, aposentadas e pensionistas incidam sobre o valor acima de um salário mínimo – e não acima do teto do Regime Geral, como era antes da reforma. Está empatada em cinco votos a cinco a votação sobre a progressividade das alíquotas.
Possibilidade de devolução de valores?
Nos textos do Valor Econômico e da Folha de S. Paulo, a principal preocupação refere-se justamente à defesa das alíquotas progressivas. Antes da reforma, os servidores e as servidoras pagavam 11% como contribuição previdenciária. Agora, pagam taxas variáveis de acordo com seu salário, de 7,5% podendo chegar a 22%.
Em uma longa matéria publicada sobre o julgamento, o Valor Econômico traz apenas um entrevistado que critica a progressividade das alíquotas. Todas as demais fontes são escolhidas a dedo para reforçar a tese do jornal. Essa é uma prática que vem sendo comum em matérias sobre o temas nos principais jornais do país, como o Sintrajufe/RS já denunciava em maio. Entrevistado pelo Valor, figura recorrente nos grandes jornais, Paulo Tafner é um dos principais defensores da reforma da Previdência desde o governo Temer. Junto com Arminio Fraga, apresentou Paulo Guedes, no dia seguinte à eleição de Bolsonaro, o projeto que foi uma das bases da reforma aprovada.
É Tafner quem fala, inclusive, da possibilidade de que, caso o Supremo decida pela inconstitucionalidade da progressividade, servidores e servidoras possam receber de volta os valores cobrados indevidamente no último período. Essa possibilidade também foi levantada pelo Sintrajufe/RS em debate online realizado no início do mês. O único entrevistado que se manifesa contra as alíquotas progressivas, o advogado Diego Cherulli, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário, diz que o “mais correto”, caso os ministros declarem a incostitucionalidade da progressividade, “seria devolver tudo o que foi pago a mais”. Porém, ele acredita que o STF ” vai modular os efeitos da decisão para não incluir o passado”.
Nos estados e nos municípios, alíquota pode voltar a 11%
Em uma segunda parte, a matéria do Valor Econômico trata especificamente da situação dos estados. Como o Sintrajufe/RS adiantara em outras matérias, diversos estados e municípios – incluindo, por exemplo, o Rio Grande do Sul e São Paulo – já fazem incidir a cobrança de aposentados, aposentadas e pensionistas sobre o valor acima de um salário mínimo. Essa possibilidade só é permitida como uma forma de combater o déficit atuarial do regime. Caso não alcance esse objetivo, pode ser seguida pela implementação de uma contribuição extraordinária tanto para servidores da ativa quanto para inativos. Conforme a matéria do Valor, mesmo após a primeira medida, o município de São Paulo segue com déficit atuarial, de forma que a qualquer momento a contribuição extraordinária poderá ser aplicada – a menos que seja derrubada pelo STF.
Além disso, nos estados e nos municípios, a reforma abriu a possibilidade de, em vez de implementar alíquotas progressivas, os governantes simplesmente a aumentarem para 14%. Isso foi feito em diversos locais e também pode estar em xeque no julgamento do Supremo – avalia-se que, caso a progressividade caia, essa majoração também poderá cair.
Folha não vê justificativa para derrubada de regras que prejudicam servidores ativos e aposentados
Após a publicação da matéria do Valor Econômico na terça-feira, nesta quarta, 10, foi a vez de a Folha de S. Paulo publicar editorial sobre o tema. Com o título bastante direto, “STF tem de preservar a reforma da Previdência”, o jornal diz que “não se vê justificativa” para a derrubada das regras definidas pela reforma de Bolsonaro. O prejuízo causado a servidores e servidoras ativos e aposentados parece não importar.
A Folha cita a matéria do Valor e diz que “não há nada juridicamente errado com a cobrança progressiva” – embora, até o momento, cinco ministros tenham decidido que há, sim, inconstitucionalidade nesse ponto. O jornal ainda trata da incidência da cobrança dos aposentados, explicando que o STF formou maioria para retornar à regra anterior, mas que os ministros ainda podem mudar o voto: “Deveriam fazê-lo”, opina a Folha.
Reforma precisa ser revogada
O Sintrajufe/RS, como a CUT, outras centrais e sindicatos, defende a revogação da totalidade da reforma da Previdência. Essa foi, inclusive, uma das pautas reivindicadas em maio na Marcha a Brasília, que reuniu milhares de manifestantes na capital federal.
Toda a emenda constitucional 103/2019 foi formulada para atacar direitos previdenciários, das alíquotas progressivas ao aumento dos anos de contribuição, da instituição de contribuições extraordinárias a mudanças nos cálculos tanto das contribuições quanto dos proventos e pensões. A possível derrubada, pelo Supremo, de alguns desses itens, pode ser um importante ponto de sustentação para impulsionar as lutas pela revogação completa da EC 103.
Fonte: Sintrajufe/RS
Foto: Sintrajufe/RS