Dirigentes do Sindiserf/RS representaram as servidoras e empregadas públicas federais na atividade
Somente em 2023, 1.463 mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil, conforme dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Esses assassinatos são a parte fatal de uma série de outras violências de gênero sofridas diariamente.
Para denunciar essa situação e cobrar um enfrentamento efetivo pela sociedade e pelo poder público, mulheres organizadas de movimentos sociais e sindicais promoveram um dia de luta na capital gaúcha, nesta quinta-feira (14). Adiado no dia 8 de Março por conta de forte chuva, o ato unificado e as mobilizações do Dia Internacional da Mulher reuniram milhares de pessoas, com o mote “Pela vida das mulheres, contra todas as violências! Basta de Feminicídios! Basta de Privatizações!”.
A escolha do 14 de Março como nova data para a mobilização foi para marcar os seis anos do assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL). Ao longo do dia, diversas atividades ocorreram em diferentes pontos de Porto Alegre, culminando no ato unificado, com concentração entre a prefeitura e a Esquina Democrática, para depois sair em caminhada pelas ruas até o largo Zumbi dos Palmares.
No final da tarde, mulheres dos mais diferentes coletivos e apoiadores começaram a se reunir em uma manifestação que denunciou todas essas violências com gritos de guerra, cartazes e diversas atividades culturais. Entre os grupos que realizaram manifestações artísticas estiveram o Baque Mulher, as mulheres do Candombe, as mulheres da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz e o Levante Popular da Juventude.
Quando o ato já reunia milhares de pessoas, a caminhada partiu do centro da cidade pouco depois das 19h e subiu a avenida Borges de Medeiros. No caminho, pendurado na parte superior do Viaduto da Borges, uma bandeira lembrou: “Nunca ficaremos caladas”. A marcha seguiu até o Largo Zumbi dos Palmares, quando mais atividades artísticas encerrou a mobilização.
Ações iniciaram em 8 de Março
Algumas mobilizações chegaram a ocorrer na última sexta-feira. Entre elas a ação da Themis, que prestou atendimento jurídico para mulheres na Estação Mercado do Trensurb, e a Jornada Nacional de Luta das Mulheres Sem Terra 2024. As mulheres do MST foram até o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e se reuniram com o superintendente regional do Instituto no RS, Nelson Grasseli, para discutir reivindicações do movimento.
Já nesta quinta, a Defensoria Pública do Estado realizou um mutirão com foco em direito das famílias e das mulheres no Largo Glênio Peres. Na parte da tarde, o Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH-RS) organizou a atividade “Mulheres e Direitos Humanos: um debate necessário”, na sala Salzano Vieira da Cunha da Assembleia Legislativa do RS. O evento foi transmitido pelas redes sociais do CEDH-RS.
Mulheres sem terra e da luta por moradia
A ocupação Periferia no Centro, da União por Moradia Popular, localizada no prédio do Ministério Público na avenida Júlio de Castilhos, foi o ponto de partida das mulheres do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que manifestaram apoio e doaram alimentos para as moradoras e os moradores da ocupação.
Na ocasião, a dirigente do Setor de Gênero do MST/RS Selene de Lima destacou o compromisso com a vida das mulheres do movimento. “Não só nos nossos assentamentos, nos nossos acampamentos, mas também tendo compromisso com a vida na periferia, no Centro. Onde tiver uma mulher que esteja passando necessidade as mulheres Sem Terra tão ali pra fortalecer a luta.”
Depois, as militantes do MST e da União saíram em caminhada para se somarem ao ato unificado.
Já o Movimento Nacional de Luta Pela Moradia (MNLM) ocupou a prefeitura de Porto Alegre. Durante o ato, um grupo de mulheres se reuniu com o secretário de Habitação, André Machado, o secretário de Governança, Cassio Trogildo, e o assessor técnico da Procuradoria-Geral do Município (PGM) Luciano Marcantonio. Elas entregaram a pauta de reivindicações locais.
Entre as demandas estão a entrega do cadastro das famílias do MNLM, aluguel social para as famílias do Assentamento 20 de Novembro durante a obra de reforma do prédio e a reivindicação de mais recursos para o Minha Casa, Minha Vida – Entidades em Porto Alegre e no estado. Ficou agendada uma reunião com a prefeitura para a próxima terça-feira (19), às 9h, no Departamento Municipal de Habitação (Demhab).
Ato unificado
Presente no ato, a redação do Brasil de Fato RS conversou com algumas mulheres. Umas delas é a filósofa e escritora Marcia Tiburi, que afirmou a importância do ato simbólico das mulheres ocuparem as ruas.
“A gente tá aqui diante da prefeitura que esse ano, se as deusas quiserem, vai ser ocupada por uma mulher. Nós vamos eleger mulheres para a prefeitura. Chega de homem feio, mal encarado, mal comportado, cheio de ódio, fascista nessa prefeitura. Vamos fazer a cidade se transformar em uma cidade das mulheres, que será uma cidade da vida, uma cidade da mágica, do encantamento, da ética, da ecologia”, disse.
Ela destacou ainda que as mulheres estão sempre em luta por seus direitos. “Isso significa estar em luta contra a guerra do patriarcado contra nós, contra os nossos corpos, contra nossa existência, contra o amor que faz a vida existir aqui neste planeta e também nessa cidade”, completou.
Claudia Santos, da Frente Gaúcha de Solidariedade ao Povo Palestino, chamou a atenção para uma das pautas levantadas pelo ato: a situação das mulheres da Faixa de Gaza.
“Sessenta e três mulheres são vítimas de feminicídio por dia pelo exército israelense. Trinta e duas delas são mães, seus bebês e crianças também são vítimas. Seiscentas mil crianças encontram-se sitiadas pelo exército israelense nesse momento em Gaza. O bloqueio trava e impede a entrada de alimentos, insumos básicos como fraldas, medicamentos, produtos de limpeza, água potável e toda ajuda humanitária”, denunciou.
“Nesse 8M, pela vida das mulheres palestinas também nós exigimos cessar fogo imediato e permanente e o fim do genocídio. Exigimos punição a Israel pelos crimes de genocídio, apartheid e limpeza étnica, e chamamos a população para se juntar conosco na campanha de boicote a Israel, exigindo rompimento de todos os acordos laterais entre Brasil e Israel, assim como também os acordos firmados entre o governo do estado do RS e empresas israelenses. Os governantes brasileiros não podem financiar mesmo que indiretamente o genocídio”, criticou.
Representando o Movimento Resistência Feminista e o Movimento Negro Unificado, Graziela Oliveira Neto da Rosa disse que o ato foi às ruas para dizer basta às diversas formas de violência contra as mulheres, “em especial o basta ao feminicídio e o basta às privatizações”. Ela aponta que a precarização dos serviços públicos é pautada sobre os corpos das mulheres.
Defendeu, em ano de eleições, mais mulheres em espaços de poder. Afirmou que Porto Alegre hoje é a Capital que possui uma maioria de mulheres, assim como em todo o estado, mas que “infelizmente as políticas públicas para nós não acontecem de forma efetiva. Então nós também estamos nas ruas pedindo que os nossos gestores, quem governa essa cidade, quem governa esse país, que olhem para as mulheres, pois nós estamos morrendo e nós estamos cansadas”.
Fabiane Lara dos Santos, sobrevivente de feminicídio, presidenta da Associação Promotoras Legais e integrante do Levante Feminista contra o Feminicídio, Lesbocídio e Transfeminicídio lembrou da necessidade urgente das políticas públicas e que no RS, a cada 62 horas uma mulher e morta. “Não é um dia só de reflexão, mas para reafirmar lutas que para nós são necessárias e a principal delas é a nossa vida. Estamos lutando para nos manter vivas, pois precisamos disso para continuar lutando. Já superamos o número de 2023 no mesmo período de 2024”, ressaltou.
A deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL/RS) lembrou que a escolha do 14 de Março para o ato marca uma data importante para o movimento de mulheres e pra todos os defensores das liberdades democráticas do Brasil: a luta por justiça para Marielle Franco e Anderson Gomes. “A luta das mulheres também é a luta de justiça por Marielle, a luta contra a violência política de gênero, contra o machismo, o feminicídio.”
Prosseguiu afirmando que a luta é “para que não vire salvo conduto para violência política de gênero, para assassinatos de defensores de direitos humanos, como infelizmente o Brasil é um dos campeões, é o quarto país que mais registra violência contra defensores de direitos humanos, como o Dom Phillips, Bruno Pereira, Dorothy Stang, Chico Mendes, tantos defensores da floresta; os trabalhadores e trabalhadoras vítimas do crime, das milícias, pelo latifúndio como Margarida Alves”.
A deputada federal (PT/RS) Reginete Bispo falou da violência política e da violência contra as mulheres, que “são assustadoras nesse país. Recordou que Marielle é “mulher negra, lutadora, vereadora e que foi brutalmente assassinada”. Disse ainda que o 8M é dia de luta pelos direitos das mulheres e que o ato é de luta, mas também para celebrar as conquistas.
“Sabemos que tá difícil, mas temos conquistas sobretudo na Câmara onde aprovamos a lei da igualdade salarial, que precisa ser fiscalizada. Aprovamos a lei “Não é Não”, pois os homens devem respeitar nossos corpos, nossas vontades e quando dizemos não, é não. Então basta de violência, estupros e feminicídios. Estamos aqui juntas por um mundo mais justo, fraterno e mais acolhedor para as mulheres e meninas”, comentou.
A deputada federal Daiana Santos (PCdoB/RS) disse que o ato “simboliza a transformação das mulheres negras numa luta de enfrentamento político”, ao lembrar do assassinato de Marielle. “Essa morte simboliza essa ascensão das mulheres negras, mas também a ascensão de um projeto que é contra o nosso, que quer de fato nos retirar e, através da violência, quer que não tenhamos essas possibilidades de romper esses ciclos históricos dentro de uma política que sempre foi branca, machista, totalmente controlada pelo patriarcado e que a nossa participação sempre foi ínfima”, pontuou.
Recordou que neste ano celebra-se 92 anos do voto feminino, “que transforma as vidas”. Para ela, a manifestação na Esquina Democrática reunindo mulheres do campo e da cidade “demonstra que nós não vamos parar, que não vai haver nenhum retrocesso e que nós estamos cada vez mais lúcidas e conscientes da necessidade dessa união enquanto mulheres”.
Disse ainda que “fazer revolução nas ruas é fazer revolução na política, e isso fala dos nossos corpos, fala desse estado que não garante que tenhamos uma Secretaria das Mulheres. Então se eles têm um projeto de aniquilação das mulheres, nós temos um projeto de ascensão coletivo pelas mãos das mulheres”.
Fonte: Brasil de Fato
Foto destaque: Renata Machado (Sindiserf/RS)