Brasil foi 2º país mais letal para ambientalistas em 2022

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Pelo menos 177 ativistas ambientais foram assassinados em 2022 em todo o globo. É como se, a cada dois dias, uma pessoa ligada à defesa do meio ambiente e do uso coletivo dos recursos naturais tivesse sido morta por causa da sua atuação.

O levantamento é da Global Witness, ONG fundada no Reino Unido que monitora o cenário de ativismo ambiental desde 2012. Segundo seu mais recente relatório, publicado nesta terça-feira (12/09), 1.910 crimes do tipo foram registrados no mundo na última década.

Em 2022, a Colômbia liderou o ranking como país mais violento para ativistas. Foram 60 assassinatos, o dobro do contabilizado no ano anterior. A maior parte das vítimas é formada por indígenas, membros de comunidades afrodescendentes e pequenos agricultores, aponta o relatório.

O Brasil aparece em segundo lugar, com 34 ataques letais. O número, por outro lado, é maior que o registrado em 2021, quando 26 defensores ambientais foram assassinados. No país, uma das principais fontes de dados é a Comissão Pastoral da Terra (CPT),  vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que anualmente publica um relatório sobre conflitos no campo.

“Nos últimos quatro anos, vivemos um governo federal que desmontou as agências de proteção ambiental e dos povos indígenas. Várias frases do ex-presidente Jair Bolsonaro incentivavam invasão e garimpo ilegal nas Terras Indígenas”” aponta, em entrevista à DW, Gabriella Bianchini, consultora sênior da ONG no Brasil.

No México, que ocupou a primeira colocação do ranking em 2021, o total de mortes caiu de 54 para 31. Mas isso não significa que a violência tenha dado trégua naquele país, destaca a Global Witness.

“A situação geral permaneceu terrível para as defensoras e defensores da terra e do meio ambiente, e os ataques não letais – incluindo intimidação, ameaças, deslocamento forçado, assédio e criminalização – seguem prejudicando seriamente o trabalho dessas pessoas”, diz o documento.

O quadro grave na América Latina foi destaque: a região foi palco de 88% do total de assassinatos. Dos 18 países que aparecem no relatório com casos documentados, 11 são latino-americanos.

 


Assassinatos de defensores do meio ambiente por país / Global Witness – Arte: DW

 

“A piora na crise climática e a procura cada vez maior por commodities agrícolas, combustíveis e minerais intensifica a pressão sobre o meio ambiente – e sobre aqueles que arriscam suas vidas para defendê-lo”, diz o documento.

 

Impunidade

Segundo o levantamento, em 2022 a Colômbia ultrapassou o Brasil no número de ativistas mortos na última década, com 382 casos ante os 376 registros de brasileiros. Até então, a liderança era do Brasil, historicamente o país onde mais ativistas foram assassinados desde 2012.

“O Brasil é um dos países que mais mata essas pessoas, defensores da floresta e do meio ambiente. É um país com números absurdos de mortes”, ressalta Bianchini.

Como em outras partes do globo, muitas mortes registradas no Brasil permanecem sem solução. É o caso do assassinato de uma família inteira em São Félix do Xingu (PA). Em janeiro de 2022, a ambientalista Marcia Nunes Lisboa foi atingida por disparos ao lado do marido, o trabalhador rural José Gomes, e da filha, Joene Nunes Lisboa, de 18 anos. Até hoje, as investigações do crime não tiveram um desfecho.

Em Boa Vista (RR), os autores dos disparos que mataram Ana Yanomami Xexana seguem desconhecidos. A indígena estava num acampamento provisório na cidade quando foi atingida na cabeça por dois homens que passaram no local de bicicleta. Ela deixou um bebê.

“A impunidade é um enorme problema e está impedindo de forma muito grave que os ataques aos defensores parem. Muitas vezes, com sorte, tudo o que conseguimos saber é o nome da pessoa que disparou a arma de fogo. Os mandantes intelectuais raramente são conhecidos, assim como suas motivações”, aponta Laura Furones, uma das autoras do levantamento.

Por conta das ameaças que recebe, Maria Leusa Munduruku muitas vezes teve que deixar o seu território às pressas. Ela denuncia há anos a extração ilegal de ouro na Terra Indigena Munduruku (PA) e já teve a casa incendiada por criminosos.

“Estamos exigindo do Estado que proteja os defensores. Eu não sou a única pessoa ameaçada no território. Nós estamos pedindo que os invasores sejam retirados com urgência, o que não aconteceu até agora”, criticou Maria Leusa durante conversa com jornalistas, citando ainda a crise causada por garimpo na TI Yanomami, nos estados de Roraima e Amazonas, e Kayapó, no Pará.

 

Proteção ambiental e interesses econômicos

Para os autores do relatório, é complexo estabelecer ligações claras entre os assassinatos registrados e setores econômicos específicos. Dos 177 crimes de 2022, pelo menos dez têm suas causas ligadas a interesses da indústria do agronegócio – metade desses ocorreram no México.

A mineração foi associada a oito casos monitorados pela Global Witness. Outros setores que estariam por trás das mortes são o madeireiro (4), construção de estradas e infraestrutura (2), hidrelétrica (2), caça (2).

Mais de um terço das pessoas assassinadas eram indígenas (36%). Pequenos agricultores (22%) e afrodescendentes (7%) também estão entre as maiores vítimas da violência. Em 2022, autoridades estaduais, manifestantes, guardas florestais, advogados e jornalistas – como Dom Phillips, morto ao lado do indigenista Bruno Pereira no Vale do Javari – também foram alvos de ataques letais.

“O assassinato é a ofensa mais grave. Mas há diversos outros atentados não letais, como tentativa de silenciamento, de criminalização, ameaças e outros tipos de violência física, sexual, assédio. Tudo isso envolto pelo conflito de terra”, comenta Bianchini sobre o trabalho.

 

Amazônia no centro

É a primeira vez que o relatório destaca mortes registradas na região da Floresta Amazônica: 1 em cada 5 assassinatos contabilizados em 2022 aconteceu no bioma.

“O Brasil vai sediar a Conferência do Clima em Belém em 2025. Sabemos de todos os problemas do estado do Pará e da região amazônica no Brasil. Há necessidade de pressionar o novo governo”, pontua Bianchini.

Embora tenha havido uma mudança de discurso e de prática com a chegada do novo governo federal, presidido por Luiz Inácio Lula da Silva, há muito o quer feito, argumenta a pesquisadora.

“Devemos proteger as pessoas que protegem o meio ambiente. Elas não estão defendendo suas casas, suas vidas, seu próprio território, apenas. Estão defendendo o ambiente que é importante para a sobrevivência de todo o planeta”, justifica.

 

Fonte: Global Witness

Foto: MAURO PIMENTEL / AFP