“Os desafios da liderança feminina no serviço público federal” foi o tema da palestra ministrada pela procuradora-geral da Fazenda Nacional, Anelize Lenzi Ruas de Almeida, no primeiro dia de atividades da Semana da Mulher 2023, promovida por diversos ministérios do governo federal, entre eles, o Ministério da Fazenda.
Para ela, a revolução feminina acontece na Administração Pública e é percebida e vivenciada no governo, no poder Executivo e nos ministérios. No entanto, o percentual de mulheres em cargos de liderança ainda é muito baixo e a maior qualificação acadêmica e a inserção feminina no mercado de trabalho não se refletem nos salários e nos cargos ocupados por mulheres. “Sofremos limitações históricas, sociais e psicológicas para ocupar postos de gestão e de direção e é por isso que é tão importante debater de forma aberta e democrática a discriminação racial e de gênero, do ponto de vista estrutural”, apontou.
Citando um artigo da procuradora da Fazenda Nacional e atualmente assessora do ministro Fernando Haddad, Fernanda Santiago, ela explicou que a Administração Pública precisa institucionalizar políticas antidiscriminatórias entre os seus servidores, o que implica atuar de forma a promover medidas de igualdade material e de inclusão. “O primeiro passo é o debate aberto, discutindo o que sentimos, onde estamos e quais os espaços que ocupamos e a partir daí partir para ações concretas”.
De acordo com a procuradora, pode-se pensar em dois âmbitos da liderança feminina no serviço público. O primeiro é interno, de forma que as mulheres possam assumir cargos de liderança para os quais estão aptas a ocupar: “Para que possamos gerir equipes e conduzir processos de trabalhos com representatividade, concretizando a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.”
Ela esclareceu que há na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) uma seleção interna para cargos de gestão e direção. De acordo com ela, em 60% dos casos, quando as mulheres aceitam participar, elas vencem os processos de seleção. “Mas, na imensa maioria dos casos, elas sequer participam, ou porque não têm apoio em casa, ou porque não se sentem encorajadas o suficiente, ou porque a instituição não lhes garante esse apoio”, disse.
Anelize Almeida pontuou que o segundo âmbito de atuação das mulheres no serviço público é na formação e na implementação de políticas públicas: “A igualdade de gênero na Administração permite que a política que será implementada considere a diversidade da nossa sociedade e, com isso, inclua de forma sistêmica e estruturada grupos minoritários”.
Na sua opinião, a elaboração de um orçamento público sensível ao gênero é um exemplo de como uma política pública pode beneficiar a equidade entre homens e mulheres. “Não é natural pensar o nosso dia a dia da administração pública a partir da equidade de gênero. E se não é, temos que institucionalizar essa questão, para que um dia isso se torne natural”, declarou.
“As reflexões que faremos juntas essa semana serão fundamentais para alavancar a participação efetiva das mulheres na administração pública”, afirmou a procuradora-geral, complementando: “Temos que nos perguntar sempre: o trabalho doméstico e de cuidado com as famílias tem sido assumido também pelos homens para que as mulheres possam exercer cargos de lideranças? Os horários das reuniões observam horários para incluir mulheres que têm filhos pequenos? Os planos e as políticas do governo são apropriados para elas?”.
Por fim, Anelize Almeida falou sobre o programa Mulher Cidadã – Cidadania Fiscal, segundo ela “pensado por mulheres e para mulheres”. “Nossa energia está concentrada para que possamos fazer esse programa chegar nas mulheres que precisam. Quando se investe na mulher, se investe na família, nos filhos e na comunidade que a rodeia”.
Meninas e mulheres
“Nós mulheres somos sobreviventes, porque vivemos num mundo em que nossos direitos são violados, então, a gente não vive, a gente sobrevive”. A afirmação foi feita por Amanda Fenyves Sadalla Costa, fundadora da Serenas – uma organização que atua para assegurar os direitos sexuais e reprodutivos, prevenir e enfrentar a violência doméstica, o abuso e a exploração sexual no Brasil – durante a palestra “Por que meninas e mulheres devem ser prioridade na agenda do governo brasileiro?”
Amanda Sadalla abordou os diversos tipos de violência contando histórias de meninas e mulheres que passaram pela sua vida. A primeira, sua bisavó, Serena, era judia e salvou a si e ao seu bisavô do campo de concentração, onde sofreram toda sorte de violências. A segunda, Helena, uma amiga de escola que teve fotos vazadas na Internet, e que faleceu aos 14 anos sem ter a possibilidade de ver as escolas aptas a lidar com esse tipo de situação. A terceira, Cida, é uma auxiliar de enfermagem de 39 anos que foi vítima de violência doméstica por parte do companheiro, pois achava que violência, controle e ciúme eram formas de amor e de afeto.
De acordo com a fundadora da Serenas, a violência de gênero começa na infância: “Avançamos muito no Brasil. A Lei Maria da Penha é uma das mais robustas do mundo, apesar de termos problemas em sua aplicação. Mas não temos políticas voltadas a meninas”.
A quarta história fala de Antônia, sobrevivente de exploração sexual infantil no mercado Ceagesp, em São Paulo, onde meninas recebem celular, droga, comida e roupas em troca de sexo. Segundo Amanda, o Brasil é um dos países com maiores taxas de exploração infantil. “O projeto de vida delas é interrompido. Quando se fala em violência sexual, temos que falar de escola. Precisamos interromper essa violência intergeracional, de pai pra filho, de mãe pra filha”, ressaltou.
Na quinta história, Carolina é diretora de uma escola e uma aluna contou a ela, por meio de um bilhete, que era abusada pelo pai. Sem saber o que fazer, a diretora foi repassando a informação e a cidade inteira ficou sabendo do caso. Por conta disso, a menina teve que repetir por diversas vezes o que aconteceu, se revitimizando, já que cada vez que ela fala sobre o abuso, ela revive a violência sofrida.
Na sexta história, Ana, jovem aprendiz de 17 anos, sofreu importunação sexual por um homem muito mais velho que tocou sua perna num ônibus, um crime que, segundo a fundadora da Serenas, impacta muitas meninas no caminho para a escola.
Todas as histórias contadas por Amanda Sadalla têm um ponto em comum: elas retratam violências que acontecem com mulheres e meninas pelo simples fato de serem meninas e mulheres.
Para Amanda, o grande desafio das escolas é acolher essas meninas vítimas de violências sem revitimizá-las. “Na escola temos a oportunidade de quebrar ciclos de violência de gênero e evitar que comportamentos passem de pais para filhos. O primeiro passo é identificar a violência; depois nomeá-la, seja como racismo, importunação, abuso, que é uma forma cuidadosa de lidar com a dor; depois comunicar a violência, o que traz desconforto; e por último, encaminhar a vítima ao serviço de saúde ou policial”, enfatiza.
Mulheres no serviço público
A última palestra do dia teve como tema “Mulheres no serviço público” e contou com a participação das ministras da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck; da Igualdade Racial, Anielle Franco; das Mulheres, Cida Gonçalves; dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, além da presidente da Escola Nacional de Administração Pública (Enap), Betânia Peixoto Lemos, e representante da ONU Mulheres.
Programação
Durante toda a semana, serão realizadas palestras abertas ao público, com transmissão ao vivo pelo Youtube. Os links de acesso aos eventos estarão disponíveis em breve.
Confira a programação da Semana da Mulher:
7/3 (terça-feira)
10h – Palestra híbrida “Crise dos cuidados: quem cuida de quem?” – Palestrantes: Marilane Oliveira Teixeira e Carolina Tokarski
12h30 – Exibição do filme As Sufragistas
16h – Palestra “Mulheres na liderança: como combater o machismo nas organizações” – Palestrante: Lucelena Ferreira
Divulgação do lançamento no Spotify do Podcast “Para onde vamos quando não decidimos para onde ir?”, com a professora Carla Antloga
8/3 (quarta-feira)
10h – Palestra “Os Pilares da Autoestima” – Palestrante: Rowânia Araujo
11h – Transmissão do Evento do Dia Internacional da Mulher da Presidência da República
14h – Palestra “Interseccionalidades, autoestima e imagem pessoal” – Palestrante: assessora especial do ministro da Fazenda, Fernanda Santiago
15h – Palestra “A Mulher no orçamento: o relato de uma experiência técnica e pessoal” (on-line) – Palestrante: Clara Marinho
9/3 (quinta-feira)
10h – Mesa-Redonda “Mulheres indígenas no serviço público” – Participantes: Integrantes do MPI, da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai/Ministério da Saúde)
11h – Palestra “Mulheres e soberania alimentar” – Palestrante: Michela Calaça
15h – Palestra “Os desafios do combate e prevenção ao assédio” – Palestrante: Mayra Cotta
16h – Palestra “Violência política contra as mulheres” – Palestrante: Ilka Teodoro
17h – Palestra “A Mulher, o direito à saúde e à saúde digital”– Palestrante: Ana Estela Haddad
17h às 18h30 – Bate-papo on-line sobre representatividade das mulheres na tecnologia e a importância dos programas de fomento ao empreendedorismo feminino
Link de acesso à transmissão: rebrand.ly/MeetupEmpreendedorasTec
10/3 (sexta-feira)
10h – Lançamento do Livro Trajetórias da Burocracia na Nova República – Heterogeneidade, desigualdades e perspectivas (1985-2000) – Presenças confirmadas: ministras Esther Dwek e Simone Tebet – Palestrante: Michela Calaça
14h – Palestra “Combate à violência contra a mulher” – Palestrante: delegada da Polícia Civil
16h – Palestra on-line “Quanto custa o respeito? Conheça os direitos da personalidade e as consequências do assédio moral e sexual” – Palestrante: Leila Loureiro
Fonte: Rede Brasil Atual
Foto: Marcelo Camargo / Ag. Brasil