Fotos chocantes rodaram o mundo sem deixar nenhuma dúvida sobre as consequências da política do governo Jair Bolsonaro (PL) para os povos indígenas. Isso levou o governo federal (eleito em 2022), a na última sexta-feira, 20, decretar Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional para concentrar esforços de forma urgente no atendimento na Terra Indígena Yanomami, em Roraima. No local, a maior área indígena do país, onde vivem mais de 30 mil pessoas, o avanço do garimpo ilegal e o abandono do poder público nos últimos anos resultou na morte de centenas de indígenas, incluindo uma grande quantidade de crianças.
Sem assistência de saúde ou apoio alimentar e em meio à invasão do garimpo, nos últimos quatro anos ao menos 570 crianças morreram na Terra Indígena Yanomami por desnutrição, contaminação por mercúrio, pneumonia, diarreia e outras doenças evitáveis. Só em 2022, 99 crianças Yanomami morreram nessas condições. Informações compiladas pelo Ministério Público Federal (MPF) indicam que, em 2019, foram registrados 117 óbitos infantis e 1.329 crianças nascidas vivas na reserva Yanomami, uma taxa de mortalidade nfantil (TMI) de 88,04. Em 2020, esse índice saltou para 112,38. Já no ano seguinte, apenas nos três primeiros meses do ano, foram 20 óbitos para 150 nascimentos, taxa de 133,33.
Funai: 60% dos cargos vagos e queda de 40% no orçamento
O governo de Bolsonaro concretizou um amplo processo de desmonte dos serviços públicos, incluindo o abandono da região, que se tornou alvo fácil do garimpo ilegal. A política de destruição da Fundação Nacional do Índio (Funai) é um exemplo disso. Em junho de 2022, dossiê produzido pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e pela Indigenistas Associados (INA), que reúne servidores da Funai, apontou que a Funai tem atualmente o menor número de servidores dos últimos 15 anos, com mais de 60% dos cargos vagos.
Desde 2019, o orçamento caiu 40%. Mas o problema vai além, já que a agenda de desmonte dos serviços públicos também dificultou a garantia de serviços de saúde e de proteção ao povo Yanomami. Ainda, a corrupção contribuiu com sua parte para a tragédia: desde 2021 o Ministério Público Federal (MPF) apontava o desvio de medicamentos que deveriam ser entregues aos indígenas.
Militares e policiais no comando da maior parte das coordenadorias
Conforme dossiê produzido pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e pela Indigenistas Associados (INA), que reúne servidores da Funai, o órgão tem hoje o menor número de servidores dos últimos 15 anos, com mais de 60% dos cargos vagos. Desde 2019, o orçamento caiu 40% e o governo já barrou dois pedidos de abertura de concurso e protelou outros dois, além de ocupar os principais cargos com militares: apenas duas das 39 coordenadorias regionais são chefiadas por servidores públicos, 19 por militares, três por policiais militares, duas por policiais federais e o restante por pessoas sem vínculo com a administração pública. Há 620 processos de demarcação parados na primeira etapa e outros 117 esperando apenas a assinatura de Bolsonaro para demarcação.
“Cavalaria brasileira incompetente…”
Bolsonaro defendeu e aplicou abertamente o desmonte dos serviços públicos e o ataque à cultura e aos direitos indígenas. Em diversas ocasiões, vangloriou-se de não realizar novas demarcações de terras indígenas, por exemplo. E as políticas caminharam nessa mesma direção, concretizando o que Bolsonaro já defendia há décadas: em 1998, ainda deputado, celebrou o genocídio indígena ocorrido nos Estados Unidos ao dizer que “a cavalaria brasileira foi muito incompetente. Competente, sim, foi a cavalaria norte-americana, que dizimou seus índios no passado e hoje em dia não tem esse problema em seu país”.
No apagar das luzes de seu mandato, Bolsonaro ainda liberou a exploração de madeira em terras indígenas, inclusive por não indígenas, em medida revertida nos primeiros dias de governo Lula. Queria aplicar no Brasil o que saudou como positivo nos Estados Unidos: o extermínio dos povos indígenas. Por isso, o governo Bolsonaro ignorou 21 pedidos formais de ajuda aos povos Yanomami, além de reiteradas denúncias de organizações e até mesmo da imprensa, que ao menos desde 2021 registrava, com imagens, a tragédia na região.
Serviço público para restabelecer os direitos dos povos indígenas
O governo Lula (PT) deu início a ações emergenciais, incluindo a declaração de Emergência em Saúde Pública e a criação do Comitê de Coordenação Nacional para Enfrentamento à Desassistência Sanitária das populações em território Yanomami. Nesta segunda-feira, 23, conforme o governo federal, “uma equipe da Força Nacional do Sistema Único de Saúde (SUS) chegará a Boa Vista, com 13 profissionais, que irão operar o Hospital de Campanha. Outra equipe multidisciplinar com oito profissionais da área de saúde da Aeronáutica será deslocada de Manaus para a região de Surucucu (a cerca de 270 km a oeste da capital roraimense). O Hospital de Campanha da Aeronáutica, hoje no Rio de Janeiro, começará a ser transferido para Boa Vista. A expectativa é que ele seja montado no dia 27 de janeiro.
Outra medida é o início do transporte de retorno para as aldeias dos Yanomami sem problemas de saúde e que se encontram no CASAI de Boa Vista”. Ainda, será acelerado o recrutamento de profissionais de saúde por meio do Programa Mais Médicos para atuarem imediatamente na região. Também estão sendo montadas equipes de segurança para dar suporte aos profissionais de saúde. E serão destinadas imediatamente 85 toneladas de alimentos aos Yanomami, além de suplementos alimentares.
A retomada dos serviços públicos é o único caminho para que essa crise seja encerrada. Tanto por meio do combate ao garimpo ilegal quanto pela reconstrução das políticas de saúde e de garantia de alimentos, é por meio do fortalecimento dos serviços públicos, com aporte de recursos e contratação de pessoal, que a tragédia humanitária poderá ser enfrentada e a dignidade devolvida ao povo Yanomami.
Fonte: Sintrajufe-RS
Foto: Divulgação/Urihi Associação Yanomami