A arte de envelhecer sendo LGBTQIA+ no Brasil revela uma realidade que merece atenção e ação por parte tanto da sociedade como do poder público. A idade avançada para esta população é marcada por uma dupla carga de preconceito, em que o etarismo se soma à discriminação por orientação sexual e identidade de gênero. Muitos idosos LGBTQIA+ viveram parte da vida ocultando suas identidades por medo da repressão, especialmente em décadas conservadoras, o que resultou em solidão e abandono na velhice. A falta de apoio social e familiar agrava o isolamento e pejudica até mesmo a saúde mental.
Secretário de Políticas LGBTQIA+ da CUT, Walmir Siqueira, alerta que “o idoso LGBT está 15 passos atrás. “É discriminado pela idade e também pela orientação sexual ou identidade de gênero”. A invisibilidade das experiências e necessidades específicas dessa comunidade é um problema persistente”, afirma o dirigente.
Etarismo e suas consequências
Preconceitos, solidão e barreiras no acesso à saúde e a serviços essenciais compõem a realidade dessa pessoas – uma realidade moldada por um etarismo que se cruza com a discriminação de gênero e orientação sexual, transformando a fase que deveria ser de acolhimento em uma jornada árdua, que exige políticas públicas e atenção específica e humanizada.
Trata-se de uma realidade que precisa mudar para que essas pessoas possam ter, de fato, acesso digno aos serviços de cuidados – que estes sejam preparados para lidar com diversidade nas idades mais avançadas, mas ainda há barreiras no acesso à saúde e a serviços essenciais.
Além dos cuidados, o acesso à saúde é um dos principais desafios, já que muitos serviços ignoram as particularidades da população LGBTQIA+ e carecem de ambientes seguros e profissionais preparados. Simmy Larrat, secretária nacional de Políticas LGBTQIA+ do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, destaca é preciso “começar a lidar mais com os impactos desse momento da vida”. Ela aponta a ausência de discussão sobre sexualidade e gênero na velhice como fator crucial. Ela explica que a carência de competência cultural é preocupante.
“Indivíduos LGBTQIA+ idosos podem ter questões de saúde relacionadas à sua orientação sexual, identidade de gênero ou estado sorológico. A maior probabilidade de viverem sozinhos e sem apoio familiar tradicional dificulta o acesso a cuidados. Muitos, ao precisarem de acolhimento, acabam ‘voltando para o armário’, o que limita sua autonomia”, ela diz .
A secretária também ressalta que, enquanto idosos em geral são afastados da sexualidade, os LGBTQIA+ enfrentam ainda o “estigma moral da depravação, da hipersexualização sobre a própria existências”.
Segundo ela, cria-se, desta forma, uma contradição: ou são hipersexualizados ou obrigados a viver uma suposta “ausência de sexualidade” que não condiz com a realidade.
O cenário atual no Brasil e a urgência por dados e ações
Apesar da ausência de dados oficiais sobre o número de idosos LGBTQIA+ no Brasil, estimativas com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Departamento Intersindical de estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) indicam que essa população pode chegar a 3,1 milhões, considerando que cerca de 10% dos brasileiros se identificam como LGBTQIA+. Essa lacuna dificulta a formulação de políticas públicas eficazes.
Por outro lado, a expectativa de vida das pessoas LGBTQIA+ tem aumentado, fruto das lutas e de políticas públicas que ampliaram visibilidade e aceitação. Hoje, é mais comum encontrar pessoas trans idosas, o que era raro anos atrás. Essa maior visibilidade, que foi inclusive tema da maior Parada do Orgulho do mundo, em São Paulo, torna o debate sobre envelhecimento LGBTQIA+ mais urgente.
Caminhos e soluções
Diante desse cenário, é essencial que profissionais da saúde e formuladores de políticas reconheçam e atendam às necessidades específicas da comunidade LGBTQIA+ idosa. Simmy Larrat enfatiza que não se trata de criar espaços separados para cada grupo, como ‘acolhimento para pessoa idosa LGBTQIA+’, mas sim de “incidir nas políticas que existem e garantir que a rede de acolhimento entenda o debate sobre sexualidade e gênero”. O objetivo, ela diz, é “disputar a política pública como um grupo”.
Atualmente, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania debate protocolos para o atendimento de idosos LGBTQIA+ nas políticas voltadas às pessoas idosas. A discussão inclui previdência, casas de acolhimento e questões como contribuições feitas sob diferentes gêneros, além da responsabilização da família em casos de abandono. Simmy Larrat destaca a importância de “normatizar os direitos das pessoas LGBTQIA+ que é mais idosa”.
Ela também afirma que o debate sobre sexualidade na velhice, evidenciado pelo envelhecimento da população LGBTQIA+, beneficia “todas as pessoas idosas”, pois ajuda a “tirar todas pessoas do armário da sexualidade”.
“É fundamental que profissionais deixem de ver os idosos como isentos de desejo e sexualidade, e que os serviços públicos sejam democratizados para atender todos, sem exceções”.
Fonte: CUT Nacional
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