Os direitos sociais e a essencialidade do serviço público. Não à PEC 38

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A Constituição reconhece e garante os direitos sociais à educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade, à infância e ao idoso, bem como confere assistência aos desamparados.

Grande parte da população brasileira, devido às condições de vulnerabilidade social, depende dos serviços prestados pelo Estado para preservação de sua existencialidade digna, o que revela a fundamentalidade fática (e não apenas jurídica) desses direitos.

Para que esses direitos não se limitem a uma mera promessa constitucional, o Estado deve manter uma estruturação adequada para o atendimento das demandas da população, assim como deve implementar políticas públicas que priorizem os mecanismos organizacionais e os instrumentos estruturantes e executórios inerentes ao serviço público.

Nesse contexto, os deveres do Estado brasileiro somente serão devidamente efetivados se houver a convergência de fatores normativos e executivos adequados, o que significa a necessidade de normatização balizadora da sua exigibilidade, existência de órgãos e entes públicos com competências definidas e implementação de quadro funcional especializado e suficiente para atendimento das necessidades da sociedade.

Por outro lado, na contramão do que dispõe a Constituição Federal, percebe-se uma recorrente narrativa que intenciona desqualificar a essencialidade do serviço público.

Entram no âmbito dessa discursividade as demandas pela terceirização de atividades que constitucionalmente cumpre ao Estado prestar, a extinção de órgãos públicos, a minimização da estrutura prestacional, a retração de concursos públicos e do quantitativo de atores públicos, além do sistemático descrédito de políticas de longo prazo destinadas ao aprimoramento do serviço público.

Está em tramitação no Congresso Nacional mais uma proposta de emenda constitucional, a PEC 38, direcionada à reforma administrativa, que nada mais retrata do que uma verdadeira erosão da capacidade prestacional do Estado brasileiro, pois, em síntese, desconstitui as bases estruturantes do serviço público. Embora esteja revestida da ideia de “modernizar” a administração pública, a PEC 38 implicará, isto sim, se aprovada, um verdadeiro retrocesso na efetivação dos direitos à população.

Muito além de reformas direcionadas a atender discursos privatistas, os direitos sociais implicam a necessidade de investimento orçamentário por parte do Estado, aparelhamento dos órgãos e entidades incumbidos da realização de atividades prestacionais à população, políticas de aprimoramento qualitativo e quantitativo dos trabalhadores públicos, recuperação do núcleo remuneratório com base no vencimento básico, supressão das políticas de terceirização e implementação de medidas de gestão compartilhada e participativa, mediante diálogo e participação de todos os atores envolvidos (sociedade, gestores e servidores públicos), pois a dinâmica que concentra os atos decisórios apenas no gestor público não se ajusta aos princípios da democracia contemporânea.

Enfim, deve haver, isto sim, não uma desconstrução, mas uma valorização sistêmica da administração pública, pois serviço público de qualidade, amparado nos valores democráticos e que alcance amplamente as necessidades da população, dignifica a existência e a história de um país.

 

Texto de Marcelo Garcia da Cunha, da Assessoria jurídica do Sindiserf/RS

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