GT da reforma administrativa ignora servidores da base e pavimenta desmonte do Estado

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O Grupo de Trabalho (GT) da Reforma Administrativa da Câmara dos Deputados tem avançado de maneira açodada, sem garantir tempo hábil para o necessário debate público e, principalmente, sem abrir espaço efetivo de escuta às entidades representativas dos servidores que compõem a ampla base do funcionalismo. Até o momento, o que se viu foi uma série de audiências marcadas por falas reiteradas de defensores do Estado mínimo, com ampla exposição de representantes do setor produtivo e de instituições alinhadas à visão liberal de gestão pública. Em contraste, entidades como a Condsef/Fenadsef, que representam mais de 80% do Executivo Federal, além de entidades representativas dos servidores estaduais e municipais do funcionalismo, não tiveram qualquer espaço de fala. Outras representações do Poder Executivo com menor representatividade foram relegadas, igualmente, a participações simbólicas, com direito a apenas três minutos de fala em uma audiência pública que tratou do conjunto dos servidores federais.

Na manhã desta terça-feira, 1º de julho, o GT ouviu acadêmicos escolhidos a dedo para sustentar os pilares do discurso gerencialista. Estiveram presentes nomes como Rafael Rodrigo Viegas, da FGV; Humberto Falcão Martins, da Fundação Dom Cabral; Sérgio Pinheiro, do Insper; Nelson Marconi e Carlos Ari Sunfeld, também da FGV. À tarde, o palco foi ocupado exclusivamente por representantes das carreiras jurídicas, que tiveram tempo e liberdade para expor suas pautas, reafirmando o lugar privilegiado que ocupam no debate — um contraste evidente com o tratamento dispensado às demais categorias do serviço público.

Entre os poucos destaques críticos, a fala de Rafael Viegas merece registro. O pesquisador apontou com precisão o papel da magistratura na manutenção dos chamados supersalários, ressaltando como a autonomia dos tribunais tem sido usada para blindar privilégios e drenar recursos públicos para os contracheques de uma minoria. Viegas ainda denunciou a estrutura viciada dos conselhos, como o CNJ e o CNMP, cuja composição — dominada por membros das próprias carreiras — impede qualquer forma efetiva de fiscalização externa. Em sua avaliação, uma reforma verdadeira precisa alterar essa estrutura de controle, abrindo espaço para a sociedade civil e os servidores que de fato sustentam o funcionamento da Justiça.

Diante do cenário majoritariamente hostil ao serviço público, é fundamental registrar as contribuições valiosas dos pesquisadores Cláudia Souza Passador, professora titular da USP, e Carlos Vainer, professor emérito da UFRJ (presente por videoconferência). Suas falas se destacaram como contraponto ao consenso liberal dominante. Ambos defenderam, de forma firme e qualificada, um Estado forte, comprometido com o atendimento das necessidades da população trabalhadora e estruturado sobre a valorização do servidor público como agente essencial das políticas públicas. Foram vozes fundamentais em defesa de um projeto de país que não se rende à lógica privatista, mas aposta na ampliação da democracia e dos direitos sociais.

 

Retórica da “gestão estratégica” esconde política de enxugamento

Mas essas foram a exceções em um mar de discursos afinados com a agenda de desmonte. Humberto Falcão Martins apresentou dados pouco específicos para sustentar que o Brasil teria uma “ineficiência média de 20%” no setor público, para em seguida defender a regulamentação de vínculos não estatutários — ou seja, precarizados — e a adoção de critérios subjetivos como “vocação” e “liderança” no recrutamento e avaliação de servidores. A retórica da “gestão estratégica”, frequentemente usada como cortina de fumaça para políticas de enxugamento de pessoal, marcou sua fala.

Sérgio Pinheiro, professor de economia do Insper, protagonizou a fala mais abertamente liberal da audiência. Defendeu que a estabilidade funcional, longe de ser uma garantia de imparcialidade e profissionalismo, seria um “limite” que impede o bom desempenho do serviço público. Propôs, assim, alternativas para “driblar” esse limite, como a ampliação do estágio probatório, a redução dos salários de ingresso e a imposição de avaliações obrigatórias com progressões condicionadas a uma distribuição forçada de desempenho — uma lógica que institucionaliza a competição e a insegurança entre os servidores. Para ele, servidores públicos hoje seriam um “desperdício de talentos”, pois pessoas que poderiam estar no “setor produtivo” estariam gastando tempo demais tentando passar em concursos, atraídas por salários mais altos que os da iniciativa privada. A precarização, para esse grupo, é uma solução travestida de modernidade.

Nelson Marconi, da FGV, reforçou o mesmo raciocínio, afirmando que os servidores, uma vez dentro do sistema, teriam “baixo incentivo para performar”, e que o Estado brasileiro precisaria criar “mecanismos de cobrança mais eficazes”. Carlos Ari Sunfeld, por sua vez, chegou a defender abertamente a “desconstitucionalização” da gestão pública e a edição de leis nacionais que facilitem a contratação de temporários e a transformação das universidades federais em fundações de direito privado — retomando a lógica das privatizações dos anos 1990.

 

Ataques são múltiplos

Essas falas, alinhadas a uma agenda fiscalista e gerencialista, caminham lado a lado com a tramitação do Projeto de Lei 3069/2025, de autoria dos deputados Tabata Amaral (PSB-SP), Dorinaldo Malafaia (PDT-AP) e Pedro Campos (PSB-PE), este último também atuante no GT da Reforma Administrativa. O PL propõe regras para a contratação de agentes públicos temporários nos entes federativos e a criação do Portal Nacional de Contratações por Tempo Determinado. Embora a proposta inclua garantias mínimas, como 13º proporcional e férias, ela formaliza uma divisão perversa entre servidores “temporários” e “típicos de Estado”. Na prática, institucionaliza a rotatividade, a segmentação de direitos e o esvaziamento das carreiras baseadas no Regime Jurídico Único (RJU).

Na parte da tarde, o GT reservou toda a programação para ouvir exclusivamente entidades representativas das carreiras do Judiciário, que puderam expor suas posições de forma ampla e detalhada — um privilégio que não foi concedido às entidades que representam a base do funcionalismo, como as do Executivo Federal. Esse tratamento segmentado e desigual nos processos de escuta evidencia o viés elitista que permeia a condução da reforma: não apenas há distinções nas falas permitidas, mas também se cristaliza, no próprio desenho da política, a lógica de que certos servidores — os chamados “típicos de Estado” — mereceriam maior proteção, estabilidade e prestígio, enquanto os demais seriam considerados obsoletos, temporários ou descartáveis. Trata-se de uma concepção profundamente excludente, que divide o serviço público em castas e reforça a elitização do Estado, ao invés de garantir um sistema baseado na universalização de direitos, igualdade de tratamento e valorização de todas as funções públicas que sustentam as políticas sociais no país.

A Condsef/Fenadsef rejeita esse modelo de Estado segmentado, que busca manter intocados os privilégios de uma elite funcional enquanto precariza a imensa maioria dos trabalhadores públicos. Defendemos a contratação exclusivamente por concurso e via RJU para todos os cargos, inclusive os de nível auxiliar e intermediário. Combatemos a ideia de um Estado “eficiente” à custa do arrocho, da desregulamentação e da exploração de trabalhadores temporários, contratados sob a lógica de “projetos”, “transições” ou “emergências”.

 

Não é reforma é demolição

A proposta de reforma administrativa em curso não responde às reais necessidades da população brasileira. Ao contrário, agrava desigualdades, perpetua castas no serviço público e transfere para os ombros dos trabalhadores a culpa por falhas estruturais de financiamento e gestão. Trata-se de uma concepção profundamente excludente, que divide o serviço público em castas e reforça a elitização do Estado — justamente quando o verdadeiro problema das contas públicas está nas isenções fiscais que superam R$ 800 bilhões ao ano e no sistema da dívida, que consome cerca de metade do orçamento federal com o pagamento de juros e amortizações, perpetuando uma lógica de transferência de recursos para o rentismo em detrimento dos serviços essenciais à população.

A Condsef/Fenadsef seguirá mobilizada, articulando resistência e denunciando qualquer tentativa de impor reformas à revelia da base do funcionalismo e dos interesses públicos. Não aceitaremos que a reconstrução do país passe pelo desmonte do Estado e pelos direitos dos trabalhadores. Um Brasil justo exige um Estado forte, democrático e comprometido com quem mais precisa dele.

 

Fonte: Condsef/Fenadsef

Foto: TV Câmara