A primeira audiência pública do Grupo de Trabalho da Reforma Administrativa realizada na Câmara dos Deputados escancarou o que a Condsef/Fenadsef vem denunciando desde o início do governo: a tentativa de impor, por dentro do Estado, uma lógica gerencial privatista travestida de “modernização”. Apesar das promessas de diálogo e da retórica de valorização do serviço público, o espaço de fala nesta primeira audiência foi inteiramente ocupado por organizações que representam uma visão tecnocrática e empresarial do Estado, todas financiadas por grandes fundações liberais, como a Fundação Lemann.
A Fundação Lemann, diga-se de passagem, possui uma agenda liberal e elitista que busca articular um modelo de gestão pública baseado na meritocracia, no desempenho individual e na racionalização empresarial do Estado. Seu investimento em bolsas para universidades de elite no exterior, a formação de lideranças com trânsito entre o setor público e privado e a defesa de modelos de contratação flexível e “parcerias” revelam um projeto que privilegia a tecnocracia e a concentração de poder decisório nas mãos de uma elite altamente escolarizada e afinada com os interesses do mercado.
O “terceiro setor” apresentou um leque de propostas que reforçam uma agenda liberal centrada na eficientização empresarial da administração pública. Entre elas, a regulamentação da contratação temporária em nível nacional, a criação de mecanismos de avaliação de desempenho com possibilidade de desligamento de servidores, o fim da progressão e promoção automática nas carreiras e a vinculação do orçamento a indicadores de desempenho.
Essas propostas, embora apresentadas como soluções técnicas e neutras, traduzem uma visão de mundo que pretende remodelar o Estado segundo os interesses do capital. Essa lógica desconsidera a natureza coletiva e social do trabalho público. Ao mesmo tempo, aprofunda desigualdades, favorece a elitização das carreiras, precariza os vínculos laborais e ameaça a estabilidade, essa sim, condição essencial para a autonomia técnica da administração pública.
O GT da Reforma Administrativa já sinalizou que não haverá tempo hábil para ouvir amplamente a sociedade. As audiências estão sendo feitas em ritmo acelerado e com reuniões privadas em ambientes como o Insper, espaço historicamente alinhado ao pensamento neoliberal.
Enquanto isso, as entidades sindicais terão algum espaço em uma futura audiência pontual. Mais grave ainda: as propostas elaboradas pelas ONGs liberais já estão sendo entregues ao GT como minutas legislativas, antecipando uma captura técnica do processo legislativo por interesses privados.
A promessa de que a reforma administrativa “não vai atingir direitos” é frágil diante das propostas apresentadas. O risco não está apenas nos dispositivos legais, mas na cultura de gestão que essas mudanças institucionalizam: trabalho amparado por desempenho produtivista, perseguições disfarçadas de meritocracia, vínculos precários e um Estado pensado para atender ao mercado, não à cidadania. Além disso, a contratação amparada por “altas habilidades e competências”, que tende a impedir o acesso ao trabalho público aos 80% da população trabalhadora que não possui nível superior.
A imposição de modelos baseados na lógica privada, a flexibilização de vínculos empregatícios e a dependência crescente de contratações temporárias comprometem a capacidade do Estado de oferecer serviços de qualidade. A obsessão pela “eficiência” é apenas uma tentativa grosseira de igualar o setor público ao privado, como se os dois obedecessem às mesmas finalidades.
Diante desse cenário, nos resta reafirmar nossa defesa incondicional de um serviço público forte, estável, acessível e universal. Não se trata de negar a necessidade de aperfeiçoar o funcionamento da máquina pública, mas de lastrear esse projeto nas decisões políticas expressas pela população trabalhadora nas urnas, em evidências reais, na ampla valorização dos servidores e no compromisso de ampliar, e não restringir, os direitos da classe trabalhadora.
O Brasil precisa de uma reforma que enfrente os verdadeiros privilégios, ancorados em uma política fiscal e monetária que drena os recursos públicos para enriquecer rentistas e banqueiros. Mas essa não é, nem de longe, a proposta apresentada pelo “terceiro setor” liberal. O que se oferece à sociedade é uma tentativa de retrocesso revestida de tecnocracia, subordinada à lógica do capital, que tenta destruir o Estado por dentro, em nome de uma suposta “modernização” que só interessa ao andar de cima.
Fonte: Condsef/Fenadsef
Foto: TV Câmara