Com quase 40 anos de atuação como empregado e servidor público, Walter Morales Aragão, analista do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), estará à frente do Sindicato dos Servidores e Empregados Públicos Federais do RS (Sindiserf/RS) na gestão 2025/2027. “Nossa ideia é ter um Sindiserf/RS aberto, participativo e transparente. De um modo geral, pretendemos um sindicalismo cidadão”, garante.
Para ele, o que está na ordem do dia é o cumprimento dos acordos salariais assinados com o governo, além dos novos desafios. “Uma pretensão, uma vontade de uma democracia mais intensa na vida sindical e lutar também por mais democratização no dia a dia no servido público”, reflete o dirigente que foi eleito secretário-geral da entidade no dia 29 de novembro, numa disputa que teve duas chapas.
Ao longo da sua trajetória, Walter foi técnico químico na Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) por 20 anos e sua primeira experiência como estatutário foi lecionando Filosofia para o ensino médio em escolas estaduais. No Incra, ele ingressou no 2006 e afirma que “foi uma reinvenção”. “E agora, esse desafio que é grande. O objetivo é ver se a gente pode contribuir neste esforço que é coletivo”, salienta.
Confira a íntegra da entrevista:
Conte um pouco da sua trajetória e como ingressou no serviço público?
Sou filho da classe trabalhadora como mostram os dois sobrenomes, Morales e Aragão, honrados e pobres. E esse já é um problema, não só no Brasil, mas na periferia do capitalismo como um todo: a gente associa quase que imediatamente trabalho com pobreza, o que não é uma necessidade lógica. Deveríamos ser trabalhadores e ter uma boa qualidade de vida e isso já explica um pouco, o que estou fazendo no sindicato. Por que não dá para aceitar isso, eu particularmente não aceito e boa parte do movimento sindical também não aceita. E talvez essa seja uma das grandes tarefas do sindicalismo. Então, digamos que sou um trabalhador que chegou no sindicato pelo sindicalismo.
Trabalho desde a adolescência. Então tenho a pretensão de possuir alguma noção do que é pertencer à classe trabalhadora. Se fala do sindicalismo de classe média, mas para mim isso não justifica falta de solidariedade na classe trabalhadora. Já tive alguns embates sobre isso ao longo da minha atividade sindical. E isso é um problema a mais, pois o funcionalismo público, historicamente, não se entende como trabalhador, Jessé Souza e outros estudiosos dizem isso quanto ao caso da sociedade brasileira. E felizmente isso tem mudado com o movimento sindical Cutista e o novo sindicalismo. Me vejo neste contexto.
Fui empregado público, técnico químico na Corsan por 20 anos. E minha primeira experiência como estatutário foi como professor do estado, lecionava Filosofia no ensino médio e depois em estabelecimentos particulares por uns 10, 12 anos. No Incra ingressei no concurso de 2005, fui chamado em 2006. Já cheguei, pois, na meia idade. Foi uma reinvenção.
E agora, o desafio é grande. Neste ponto o sindicalismo é parecido com a arte e a educação, está em crise desde que nasceu, pois mudam as circunstâncias e os modelos, mas sempre em crise. Então, o objetivo é ver se a gente pode contribuir um pouco neste esforço que é coletivo.
Após muitos anos, duas chapas concorreram à diretoria do Sindiserf/RS. Na tua opinião, como isso fortalece a democracia e o Sindicato?
Vejo como oportunidade e esforço de atualização da categoria. Não havia divergências estratégicas e diria, nem táticas, do “como fazer sindicalismo” entre as chapas. Na verdade, uma divergência de postura éticas e comportamentais, que hoje em dia são fatores de afinidade ou não. As questões do tipo são um desafio para toda a classe trabalhadora e para o funcionalismo em particular, pois além da ética e da moralidade que todo cidadão moderno supostamente tem que ter numa república mais ou menos democrática, o servidor público tem que ter mais ainda. As divergências foram basicamente nesse ponto.
Aumentou a participação. Mais gente participou do processo eleitoral como candidato, apoiador, eleitor… Acho que foi uma boa experiência neste sentido, pois ampliou.
O que a categoria pode esperar dessa gestão do Sindiserf/RS?
Principalmente uma maior sensibilidade a esses temas contemporâneos, os clássicos e as novidades. Vamos trabalhar numa questão clássica que é a luta salarial, um cavalo de batalha, a razão de ser do sindicalismo, basicamente, e há muita necessidade disso também. Lembrando que o salário mínimo estimado pelo Dieese está em torno de 7 mil reais. Então é uma categoria onde a maioria ganha o verdadeiro salário mínimo. Há muito que fazer como melhorar as condições de trabalho, etc…
E novos desafios e uma pretensão, uma vontade de uma democracia mais intensa na vida sindical e lutar por mais democratização no dia a dia no servido público. Porque mesmo em governo simpáticos e favoráveis às causas sociais, a vida real na repartição é complicada, há os mandonismos, os assédios mil, as hierarquizações… Esse Estado em que a gente trabalha é para atender o capitalismo, prioritariamente, e não para servir à população.
Quando, com muita luta, se consegue eleger um governo popular, isso melhora as condições para dar uma ‘despiorada’, inventando um neologismo. Mas são condições muito difíceis e agora, as novas tecnologias não são usadas para ajudar o trabalhador, mas sim para baixar custos, desobrigando o capital de manter condições de trabalho, empurrando os custos para o próprio trabalhador no teletrabalho… São dialéticas que teremos que enfrentar.
Essa atenção é desejo do conjunto da nossa diretoria e outra questão é valorizar muito o interior e o apoio à organização nas principais bases.
Quais são as principais lutas do próximo período para os servidores públicos?
O que está na ordem do dia é o cumprimento dos acordos assinados em 2024, não recebemos nada ainda e agora com essa guerra orçamentaria, sabe-se lá quando… Parece que há uma avaliação do Haddad, ministro da Fazendo, de dois meses sem orçamento e acho que está otimista, eu já vi orçamento sendo aprovado em maio. Espero que não seja o caso, que diminua essa obstrução da direita no parlamento e que a gente possa aprofundar os acordos já assinados. Acho que essa é a grande batalha prática, sem contar a pedreira no meio do caminho que será a eleição de 2026.
Os sindicatos, como um todo, estão perdendo representatividade e no caso das entidades de servidores públicos há um alto número de aposentados e poucos concursos públicos, o que dificulta a renovação da categoria. Como reverter isso e fortalecer as entidades sindicais?
Numa primeira abordagem penso em dois pontos, pois são questões complexas. Todos os esforços em torno do conceito do emprego de qualidade: o capitalismo atual, de modo geral, produz precariedade, as grandes empresas hoje não têm mais empregados, é tudo terceirizado e quarteirizado, o trabalhador nem sabe mais quem é o seu empregador. Por isso, uma luta é enfrentar a precarização do serviço público, que aparece de diversas maneiras e a questão da representatividade passa por aí. Nesta fragmentação é difícil…
E a máquina ideológica dominante do Brasil é poderosa, tem uma das maiores mídia do mundo, brinco que o nosso miserável aqui sofre mais que o miserável de outros continentes, porque tem uma televisão magnífica, uma publicidade criativa e fica assistindo essas maravilhas na TV. Então, essa indústria da pressão subjetiva aqui no Brasil é muito forte, fortalece o individualismo. Não é só o sindicalismo que está sofrendo, mas todos os movimentos de agregação, do coletivo. O mercado de consumo também é muito segmentado, tem para criança, adolescente, jovem, adulto, adulto maduro, avançado… Essa fragmentação faz parte do mundo contemporâneo e o sindicalismo está neste mar revolto.
Acho que essa atenção aos novos direitos sem perder de vista os históricos e conseguir com muita habilidade e alguma sorte, combinar esses direitos é uma forma de conquistar mais associados, os setores específicos, mulheres, étnicos e jovens, por exemplo desse último concurso federal.
E outro ponto é essa defesa do emprego de qualidade. Um grande argumento da direita para precarizar o serviço público é que não importa para a população se o servidor é concursado, tem um bom emprego ou é contratado e isso é falso. É uma discussão mal conduzida de propósito porque a população tem muito interesse em empregos de qualidade. Acho que com esses dois pontos conseguimos enfrentar essa questão.
Hoje, qual seria o maior desafio do Serviço Público no Brasil? Considerando que é uma ferramenta fundamental para diminuir o fosso da desigualdade social oriunda do sistema capitalista.
Sim, voltando. Aqui no Brasil não se teve uma revolução burguesa clássica e, como ocorre nos países colonizados, o Estado veio antes que a cidadania, diferentemente de países capitalistas mais antigos. Muito da vida moderna aqui no Brasil só chegou através de ação do Estado e o nosso capitalismo é muito fraco, manda muito recurso para o exterior, para as matrizes. Essa alta do dólar é um exemplo disso: com crise na Europa e nos Estados Unidos, as 500 maiores empresas deles – todas tem filial aqui – que ordem receberam no final do ano? Mandar todo o dólar que puder para as matrizes, o que ajudou muito a aumentar a inflação aqui no Brasil. Portanto, esse peso colonial, agora neocolonial, ainda é muito forte.
Tem autores como o Claus Offe e Nicos Poulantzas que colocam isso. Quando tu não faz as reformas clássicas, não distribui a terra e não faz a reforma urbana, como tu impede uma situação de revolta? Com políticas públicas. Nesta situação de Estado dentro do capitalismo e prioritariamente, ajudando o próprio capitalismo, o serviço público pode compensar. Mas tem que ter uma cidadania crítica também.
A ditadura militar criou mais estatais que Getúlio Vargas, por exemplo. Vargas criou cerca de 70 estatais e o regime militar, mais de 300, então tu pode ter um estadismo não democrático. E temos que ter todas essas lutas cidadãs.
Acho que isso é bom para fechar. De um modo geral pretendemos um sindicalismo cidadão. Se não tiver um apoio da cidadania, nossa luta isolada não vai conseguir muito, apesar de que sempre vamos conseguir mais do que se não lutar. Mas é preciso convencer a cidadania de que um bom serviço público é de interesse dela, principalmente.
Gostaria de acrescentar alguma coisa:
Nossa ideia é ter um Sindiserf/RS aberto, participativo e transparente. Tem-se a casa e a causa, vamos deixar a casa aberta e chamar o máximo possível de companheiras e companheiros para a causa.
Fonte: Sindiserf/RS
Fotos: Arquivo Sindiserf/RS