Aperto monetário e riscos sistêmicos

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O aumento do aperto monetário limita a atividade econômica, eleva o déficit público, concentra renda e tem o potencial de desencadear riscos sistêmicos

Estes são alguns dados macroeconômicos:

– a atividade econômica cresce a taxa superior a 3% ao ano, com redução da taxa de desemprego e do contingente de pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza;

– a inflação nos últimos doze meses está em 4,87%, pouco acima do limite superior da meta de inflação que é extremamente rigorosa (nos últimos 20 anos houve apenas três ocasiões em que a inflação ficou abaixo de 3%);

Apesar disso, o mercado financeiro, achando pouco o duro pacote de contingenciamento de gastos do governo, resolveu fazer um ataque ao mercado de câmbio, fazendo o dólar disparar nas últimas semanas e aumentar as expectativas de inflação.

Ou seja, o governo deu um tiro no pé (ou no coração?) ao cortar no salário mínimo, abono salarial e BPC, atingindo o setor mais necessitado da população. Também atacou o funcionalismo ao propor um gatilho para bloquear futuros reajustes salariais. O “mercado” e a “imprensa especializada”, porém, querem mais, querem esfolar ainda mais os servidores e os assalariados em geral, enquanto os setores sociais verdadeiramente privilegiados permanecem recebendo benesses estatais. O próprio Banco Central do Brasil, com a PEC 65/2023 busca um meio de não ficar vinculado ao orçamento geral da união.

Consequência da pressão do mercado, o Banco Central do Brasil decidiu elevar a taxa de juros em 1% ponto percentual, para 12,25% a.a., com promessa de ajustes de mesma magnitude nas próximas duas reuniões. O objetivo declarado desse cenário de maior aperto monetário é conduzir a uma desaceleração da economia o que tende a prejudicar duplamente a situação fiscal do país.

De fato, quando as taxas de juros aumentam rapidamente, o custo do crédito sobe, o que pode reduzir o consumo e o investimento, afetando negativamente a economia, via redução da renda real.

Assim sendo, empresas e famílias podem ter dificuldades para pagar suas dívidas, levando a um aumento na inadimplência e, potencialmente, podendo causar a eclosão de uma crise financeira.

Além disso, mudanças abruptas nas taxas de juros podem criar volatilidade nos mercados financeiros, afetando o valor das ações, títulos e outros ativos financeiros, o que pode, aí sim, criar um risco sistêmico, com “perda de confiança” e todas as conhecidas consequências.

Tudo isso associado a reiteradas declarações alarmistas do presidente que está de saída do Banco Central não estaria ferindo o parágrafo único do Art. 1º da Lei Complementar 179 que estabelece que “o Banco Central do Brasil também tem por objetivos zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego”?

Panorama fiscal numa visão comparada

Em 2023, o Brasil registrou déficit das contas públicas de R$ 230,5 bilhões, equivalente a 2,12% do PIB. Comparativamente, o resultado das contas públicas brasileiras é mais confortável do que o verificado nos Estados Unidos (7,07%), França (5,50%), Reino Unido (5,96%), Alemanha (2,60%) e Japão (4,38%) – de passagem, é importante lembrar que esse resultado de 2023 também é produto da bomba fiscal de R$ 460 bilhões deixada pelo governo anterior, além do enorme peso das despesas financeiras devidas às altas taxas da Selic.

No total, as despesas financeiras de 2024 correspondem a aproximadamente R$ 3,5 trilhões, o que representa cerca de 64% do orçamento total de R$ 5,5 trilhões.

Já a média dos países do G20 é um pouco menor, variando entre 50% e 60% do orçamento total, dependendo do país específico e suas prioridades econômicas. A média das despesas financeiras do setor público dos países da América do Sul fica em torno de 60% do orçamento total. Em comparação, a média do endividamento público dos países do G20 é aproximadamente 90% do PIB.

Segundo dados do próprio Banco Central do Brasil, o endividamento bruto do setor público brasileiro, em outubro de 2024, alcançou 78,6% do PIB, enquanto o endividamento líquido é de 62,1% do PIB. Esse patamar se mostra muito abaixo do observado nos países do G20, da União Europeia e dos Estados Unidos, onde a dívida líquida é de 91%, 73,9% e 98,8%, respectivamente.

A taxa de juros básica definida pelo Banco da Inglaterra é de 4,75%. O Federal Reserve, nos Estados Unidos trabalha atualmente com taxas de juros básica de 4,5% a 4,75%, enquanto o Banco Central Europeu reduziu, em 0,25 pontos base, a taxa de juros para 3,0% a 3,4%.

Neste ano de 2024, a situação fiscal do Brasil não se agravou, ao contrário do que a imprensa corporativa tenta convencer o brasileiro médio. Contrariamente, o setor público consolidado acumulou déficit de R$223,5 bilhões, equivalente a 1,95% do PIB até outubro de 2024. Por outro lado, no acumulado em doze meses até outubro deste ano, os juros nominais alcançaram R$869,3 bilhões (7,57% do PIB), em decorrência das elevadas taxas de juros reais praticadas pelo Banco Central do Brasil, que em dezembro de 2024 foi elevada para 12,25%.

Assim, o Brasil figura como em segundo lugar no ranking de taxa de juros real mais elevada do mundo (acima de 7% a.a.), abaixo apenas da Turquia (13,33%). Comparativamente, o juro real determinado por outros Bancos Centrais é: Estados Unidos (1,65%), Argentina (0,07%), Chile (1,3%), Índia (2,43%), Reino Unido (2,09%, Alemanha (0,29%), China (0,03%, Japão (1,45%).

Caso o Brasil adotasse uma taxa de juros real de 5% a.a., que representa a média entre México (5º lugar no ranking de juros mais elevado) e África do Sul (6º lugar no ranking de juros mais elevado), o déficit público seria reduzido em cerca de R$110 bilhões em bases anuais. Esses números demonstram que a política monetária brasileira está afastada das melhores práticas internacionais.

A política monetária impacta significativamente o resultado fiscal, ameaçando despesas em áreas essenciais como saúde, educação, segurança e previdência, notadamente o próprio salário e aposentadoria dos servidores públicos.

Enquanto o programa de ajuste fiscal do governo federal busca um corte R$70 bilhões nos próximos dois anos, com cortes no Benefício de Prestação Continuada (BPC), redução do limite de acesso ao abono salarial e limitação da correção do salário mínimo, a elevação de apenas 1% da taxa Selic tem impacto fiscal de R$55 bilhões, em bases anuais, nas contas públicas.

Por essa razão, é oportuno alertar que a política monetária praticada no Brasil, historicamente, tem servido de instrumento de transferência de renda para rentistas e setor financeiro, prejudicando a capacidade de o país manter os programas sociais, incluindo previdência e assistência social, e financiar os projetos de infraestrutura necessários para assegurar o crescimento e a modernização da economia do país.
Seção Sindical do Sindsep-DF no Banco Central

16 de dezembro de 2024

 

Fontes:

Relatório Anual do FMI 2023

Monitor Fiscal do FMI Outubro 2024

Banco Central do Brasil. Estatísticas Fiscais

https://bpmoney.com.br/economia/governo-lula-bomba-fiscal/