No serviço público federal, um número traz grande preocupação: mais de um terço das vagas aprovadas para órgãos federais está desocupado, ou 34%. E em 42 das 192 áreas existentes em dezembro, a desocupação superou as vagas preenchidas. O patamar, que se manteve alto nos últimos sete anos, gera efeitos para servidores, como a sobrecarga de trabalho. Para a sociedade, há falhas em serviços como fiscalizações em terras indígenas e a realização de perícias médicas.
Os ministérios da Saúde e da Educação, o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) estão entre os que têm o maior número de postos vagos. Os dados foram obtidos no Portal de Transparência federal e são referentes aos meses de dezembro, entre 2016 e 2022. O número de vagas por órgão — as vagas aprovadas — é definido por legislação específica.
Para especialistas, as evoluções tecnológicas e os efeitos das restrições fiscais — como a Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2001, e o teto de gastos, de 2016 — estão entre as principais explicações para a lacuna no funcionalismo. As regras fiscais definem a fatia do Orçamento que pode ser usada em gastos com pessoal.
Muito reivindicada por entidades, a abertura de concursos não é vista por eles como a solução para todos os problemas.
— Mais concursos sempre dá uma oxigenação no serviço público, mas também deve ser observado se cabe ou não repor o servidor. Talvez não seja mais preciso um quantitativo que era necessário há alguns anos — analisa André Luiz Marques, coordenador executivo do Centro de Gestão em Políticas Públicas do Insper.
Veja a progressão de vagas abertas e aprovadas para o serviço público federal nos últimos anos (Foto: Editoria de Arte)
Marques complementa que, em muitos casos, a legislação que dispõe sobre as vagas contou com uma “gordura”. Isto porque, para aumentar o valor, um novo projeto de lei teria que ser aprovado no Congresso, o que tornaria o processo mais burocrático e demorado.
O Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos informou que a desocupação de cargos não quer dizer defasagem na força de trabalho, mas a garantia de uma margem que pode ser usada pelo estado em caso de necessidade. Sobre a reposição de pessoal, o governo afirma que há ingressos regulares de servidores e que vão levantar as demandas para áreas estratégicas do governo.
Problemas na ponta
A desocupação também gera efeitos de curto prazo em alguns órgãos. Um dos casos mais graves é o do INSS — a autarquia tem 24,3 mil postos vagos, bem mais que os 19,1 mil preenchidos.
A maior parte das vagas desocupadas é para técnico de seguro social (20,9 mil) e para analista do seguro social (2,4 mil), essenciais para analisar a concessão de benefícios. No caso de peritos médicos, responsáveis pelas perícias, a categoria estima carência superior a 3 mil servidores, sem abertura de concursos há 12 anos.
— Em 2019, o tempo médio de análise era de oito dias, enquanto hoje pode chegar a nove meses, em alguns estados do Nordeste — explica Francisco Cardoso, vice-presidente da Associação Nacional dos Peritos Médicos.
Tecnologia no setor público é um dos principais fatores
Apontada por especialistas, a modernização da administração pública é vista como uma das principais explicações para a desocupação. Com os avanços tecnológicos, algumas atividades operacionais, que antes eram executadas por servidores, foram digitalizadas, o que otimiza o funcionamento da máquina pública, mas, por outro lado, reduz a necessidade de pessoal.
Esse é o caso, por exemplo, de etapas de um processo administrativo. Com a digitalização, há menos demanda por servidores específicos para o recebimento de documentos ligados a uma determinada ação, já que podem ser incluídos em canais on-line.
— Essa substituição afeta principalmente atividades muito repetitivas, que não envolvam uma grande carga de conteúdo decisório nem demandem uma reflexão sofisticada — explica José Vicente Mendonça, professor de Direito Administrativo da Uerj.
No entanto, ele ressalta que há carreiras que, mesmo no futuro, dificilmente serão substituídas, como as de juízes e auditores, que estão no topo do funcionalismo. Isto deve ocorrer porque as entidades têm grande poder de lobby. Já carreiras com pouco capital social podem ser mais afetadas.
Governo deve olhar para concursos e gestão de recursos
Mesmo se tiver um gestor que fez o quantitativo na ponta do lápis, com a conta, aí tem que pensar quanto que ele tem autonomia para fazer contratação ou modernização. Sem contar que não dá voto.
Assim como o diagnóstico da desocupação, encontrar uma solução para a questão envolve uma série de fatores, como melhorias na gestão dos órgãos e atuação assertiva do governo federal, na avaliação de especialistas.
— Talvez o maior desafio seja como não ser populista em um tema sensível (a contratação de servidores). Tem que fazer as concentrações onde tem mais defasagem, e para isso precisa de planejamento. Vai acabar tendo que ser antipático com alguma área — analisa Marques.
Veja os órgãos federais com o maior número de vagas desocupadas no final de 2022 (Foto: Editoria de Arte)
Já Mendonça acredita que o primeiro passo é realizar um raio x das demandas e carências de cada órgão federal, plano a médio e longo prazo. Com isso, a destinação orçamentária seria mais eficiente:
— Deve ser feito um estudo criterioso de vagas por setor, de preferência por um setor neutro. A partir daí, vai identificar o que é uma mudança estrutural em função dos avanços tecnológicos e o que é, de fato, déficit de pessoal. Onde tiver que fazer concurso, faz, na medida da disponibilidade orçamentária.
Fonte: Extra
Foto: Pablo Jacob/Agência O Globo